22-03-2011
Cartas de Beira-Mar põem sistema prisional brasileiro em xeque.
22-03-2011
Quase dez pequenos pedaços de papel encontrados em uma casa no Morro do Alemão, Rio de Janeiro, durante a ocupação da Polícia Militar no final do ano passado, comprovaram que, mesmo recluso em um presídio de segurança máxima no Paraná, o megatraficante Fernandinho Beira-Mar continuava comandando as ações de uma das maiores quadrilhas do país.
Cartas eram escritas com letras muito pequenas em papéis que eram dobrados e escondidos no tubo de uma caneta. Durante as visitas, a caneta saía com o advogado ou familiar do preso e chegava até o braço-direito de Beira-Mar, Marcelinho Niterói. Dessa maneira, o conteúdo era lido apenas por quem interessava, sem passar pelo crivo dos carcereiros.
As cartas ficaram guardadas na casa de Marcelinho, foram apreendidas pela polícia e divulgadas neste final de semana. Investigações da Polícia Civil carioca apontaram que as cartas foram escritas nos períodos em que Beira-Mar ficou detido no presídio de Catanduvas, no Paraná, e em outro presídio de segurança máxima no Mato Grosso do Sul, colocando em xeque a estrutura do sistema penitenciário.
Nas cartas, Beira-Mar dá detalhes de como quer que seus comandados realizem sequestros, negociações para libertação de milicianos capturados ou compra e venda de armas e drogas, dentro e fora do Brasil. Ele dá detalhes de vários processos que estão em andamento, fala do envolvimento de advogados e policiais militares com a quadrilha e negocia a soltura de familiares também detidos por atuar na quadrilha.
Nos seguintes trechos, Beira-Mar planeja o sequestro de uma autoridade religiosa:
"O primeiro contato será feito com o bispo geral do brasil. A pessoa vai ligar para ele avisando que estamos com a pessoa e queremos, em troca da liberdade dele a liberdade do miliciano Batman e de mais dois que estão aqui com ele. Avise ao bispo para não envolver a mídia e ir pessoalmente acertar os detalhes com o ministro da justiça. Cortamos o contato por uns 30 dias e deixamos um e-mail para quando ele conseguir uma resposta positiva do governo passar uma mensagem".
"Nesse período eu vou continuar tendo visitas normalmente só que de uma pessoa neutra. Ou seja, uma pessoa que não sabe de nada do que está acontecendo. Não vou mais receber visitas das minhas irmãs, da manequim, doido etc. pois quando eles souberem que eu estou envolvido com toda certeza vão sequestrar quem estiver me visitando para tentar me pressionar, saber alguma coisa e até mesmo torturar. Acredito que essa primeira parte vai demorar uns 60 dias, pois eu só vou entrar na jogada depois que os 4 milicianos forem transferidos".
"Nos vamos lutar pela nossa liberdade com todas as minhas forças e estou preparado para o que der e vinher. Se eu ver que eles não querem nos libertar, aí sim vou para a segunda opção que será o nosso retorno do meu cunhado, do Saulo, do rafael e do caju e as absom, da última esposa do meu cunhado isso só em último caso. Se eles não aceitarem essa última opção, só lamento. Passem fogo na pessoa e vamos pegar outra com mais peso político".
Em outro trecho, ele explica como será a partilha da quantia arrecadada com a venda de maconha, chamada por ele de "café".
"Para não ficar mais dúvidas vou lhes explicar como vai ser a partilha do café que vai chegar. A quantidade exata, segundo o doido, virão quatro mil quilos, desse total mil são meus, mil são do CH, e o restante são do pessoal daqui... a parte deles ou pagar a 300 reais, vou vender para todos a 400 reais por que? De cada quilo vou dar 30 reais para ser divididos em partes iguais entre manequim, meu lindo, doido e o Leo, ou seja, 7,50 pra cada e 20 reais para o Makgule. A responsabilidade de receber o café, descarregar, vender e receber o dinheiro são do Alan e do Play. Os dois vão prestar contas com o Makgule e com o meu lindo. Eles fiquem na responsabilidade de fazer os depósitos para o pessoal aqui de cima".
Projeto
A localização destas cartas fortalece o projeto do deputado federal Fernando Francischini (PSDB-PR), que prevê um regime de segurança máxima que restringe o contato dos presos com familiares e advogados.
Os presos condenados a este regime não teriam visitas íntimas, fariam o banho de sol individualmente, para que não tivessem contato com outros presos, e teriam as conversas com os visitantes gravadas, em cabines blindadas.
O deputado pretende alterar a Lei de Execuções Penais e aplicar o regime "ao preso provisório ou condenado envolvido em organizações criminosas, quadrilha ou bando ou no comandando de rebeliões e crimes dentro ou fora do presídio". O projeto de lei foi apresentado em 24 de fevereiro e segue em tramitação.