Domingo às 24 de Novembro de 2024 às 05:22:23
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Trans de Campo Largo hoje vive na Itália e conta dificuldades que passou

“A gente nasce assim. Desde criança percebia a vontade de ser menina. Fui o primeiro filho homem, então foi muito complicado. Decidi assumir quando fiz 16 anos e completei o Ensino Médio", diz Juliana Bonanomi que mor

Trans de Campo Largo hoje vive na Itália e conta dificuldades que passou

Há seis anos Juliana Bonanomi (35) mora na Itália e diariamente lê as notícias da Folha de Campo Largo pela internet. Hoje se considera uma pessoa feliz e realizada e decidiu entrar em contato para contar um pouco da sua história. Passou por uma adolescência bem conturbada, relata como foi ao assumir ser trans, a prostituição e a vontade em querer mudar de vida.
Juliano nasceu em Campo Largo e teve uma infância que diz ter sido perfeita, mas na adolescência sofreu muito, uma fase bem conturbada, em que percebeu que queria na verdade ser uma menina, mas não sabia como pedir ajuda. Ele tem Androginia, que é a mistura de características femininas e masculinas em um único ser, como também é considerado transgênero, pois tem uma identidade de gênero diferente de seu sexo atribuído.
“A gente nasce assim. Desde criança percebia a vontade de ser menina. Fui o primeiro filho homem, então foi muito complicado. Decidi assumir quando fiz 16 anos e completei o Ensino Médio.” Estudava no bairro Águas Claras e conta que recebeu o conselho de uma professora de primeiro concluir os estudos para então se assumir e não sofrer mais preconceito. Disse que sofria muito bullying, mas na época nem era chamado assim. Detalha que quando era para formar grupos na sala para fazer trabalho, nunca era escolhido e era encaixado em grupos com menos pessoas. Mesmo sem assumir na época, já o chamavam de Roberta Close (primeira modelo trans a posar nua).
Ao concluir os estudos, resolveu se assumir. Conta que na época ficava muito brava, pois era xingada, mas dizia que não estava fazendo nada para ninguém e queria que respeitassem a opção sexual dela. “Não tive assistência de ninguém e procurei pessoas parecidas a mim. Conheci uma trans e ela convidou para me juntar a eles, então decidi sair de casa. Meus pais estavam se separando na época e tinha medo da reação do meu pai”, detalha. Começou a morar com outras duas trans e passou a se prostituir na rua. Evitavam sair de dia na rua e conta que era uma vida muito difícil, foi abusada, apanhou.  Lembra que um dia sua mãe a viu, vestida com roupas que pegava escondido dela. “Pegava escondido roupas da minha mãe e me montava na rua para me prostituir”, declara ela, que aos poucos foi se modificando.

De trans para homossexual
Passou um ano se prostituindo em Campo Largo como trans e aos 17 anos foi morar em Curitiba, onde começou a se prostituir na Rua Getúlio Vargas. Com tudo que sofreu na rua, se motivou a buscar outro rumo para sua vida. Queria voltar a estudar e trabalhar.
Diz que a vida como trans era muito difícil, a pessoa passa a ser considerada como “uma extraterrestre”. Então decidiu cortar o cabelo e virar gay, que era um pouco mais fácil a aceitação. Aos 18 anos começou a fazer curso de Assistente Administrativo e Informática e a trabalhar em um hospital de Curitiba. Nessa época os pais ainda não queriam vê-la. “Falavam que nasci homem e eu tinha que ser homem. Então não voltei mais”, comenta.
Mudança
Trabalhou em Curitiba em algumas empresas e também como modelo autônoma - fazia fotos como homossexual. Aos 19 anos, estudando e trabalhando, foi aceita em casa pela mãe como gay, não trans. Mas Juliana conta que sempre se sentiu uma mulher e não queria ficar assim.
Aos 24 anos resolveu ir para a Itália porque recebeu uma proposta para trabalhar como diarista lá. Já era um sonho ir para a Europa e aproveitou. Em seis meses conheceu um italiano, homossexual, com quem começou a se relacionar. Nesta época já começou a se assumir novamente como trans.
Trouxe Marco para o Brasil cerca de dois anos depois e moraram em Campo Largo por dois anos. Juliana começou a trabalhar em um escritório de advogados e Marco, formado em Engenharia Civil, trabalhou com um grupo de arquitetos, ambos em Curitiba. Muitos gays não tinham coragem de assumir e ela diz que foi uma referência pela coragem de andar de mãos dadas pelas ruas da cidade. “Para ele é normal andar comigo na rua e pra mim é maravilhoso, mas ao mesmo tempo me sentia receosa pelas pessoas olhando”, comenta. Conta que se sentiu feliz quando foi em um bar em Campo Largo e encontrou com duas trans e uma disse que sempre a admirou e foi um exemplo para ela poder se assumir também.
Chegaram a se casar no Civil em Campo Largo e ela ficou com o sobrenome dele; a partir disso conseguiu tirar cidadania da Itália. Nesta época a família – pai, mãe, três irmãos – já o aceitava melhor, antes tinham muita vergonha. Ela diz que foi a primeira trans a se assumir para a sociedade em Campo Largo. Comenta que algumas pessoas têm dificuldade em entender, mas que ela é como o Pablo Vitar.



Nova vida
Meses depois de se casar no Brasil voltaram para a Itália, onde hoje tem residência própria na Província de Lecco, já fez alguns trabalhos como modelo, mas hoje está cuidando da casa e do marido.
Ela ainda vem visitar a família. “Se você se aceita não tem porque sacrificar tanto sua vida, só ser discreta, não precisa ser depravado. Nesta vida tudo é possível. Hoje existem trans que são advogadas”, diz. Declara que primeiro lugar tem que se aceitar para depois desenvolver outros pilares da vida, principalmente sendo homossexual ou trans, que é difícil as pessoas aceitarem.
“Trabalhava em um escritório e era respeitada. Trabalhei em grandes supermercados, sempre demonstrando respeito. É possível conquistar seu espaço. Conheci várias pessoas em Campo Largo que se assumiram, mas ainda têm dificuldade de viver isso. Acho triste a pessoa ter que se submeter a se prostituir por ser trans”, conta. Hoje, aos 35 anos, vê que não tinha necessidade de ter se prostituído, mas que essa foi uma experiência que aprendeu muito.