Vale a leitura da história do Silvano Silva, há muitos anos funcionários da Cocel e grande escritor. Nos enviou uma verdadeira obra literária na Promoção de Dia dos Pais, muito bem escrita e que fará
Vale a leitura da história do Silvano Silva, há muitos anos funcionários da Cocel e grande escritor. Nos enviou uma verdadeira obra literária na Promoção de Dia dos Pais, muito bem escrita e que fará muitos refletirem sobre os velhos tempos.
“Meu pai defendia o pão lá de casa empreitando corte de lenha e desbaste de mato; serviços destes que um machado bem afiado, acompanhado de uma chaira com cabo de sabugo presa a uma bainha de couro cru, amarrada à cintura, resolve.
A labuta era braba e a paga era minguada... ingrata, por assim dizer.
A CR. Almeida, empreiteira de obras, que na época começava a barragem da Petrobras, recrutava operários e abria vaga pra cozinheiro de peão.
Para quem mal fazia um feijãozinho serelepe ou uma farofinha de biju com ovo, se arriscar numa empreitada daquelas era pura encrenca, mas o salário era melhor e o serviço não levantava calo na palma da mão... valia experimentar.
Valia também, esquentar novamente a velha e surrada carteira azul de trabalho, há tempos esquecida no fundo duma gaveta.
Puxando na cachola lembro que na época, durante a semana, eu decorava os pontos de moral e cívica, somava e subtraía os números dos quadrinhos, estudava a cartilha e, no sábado e domingo, passava lá com meu pai.
A cozinha era improvisada num barraco de tábuas de costaneira, erguido na base do prego, bem ao lado da ponte do Rio Verde, divisa com a cidade de Araucária.
Ele fervia em cima duma chapa de ferro sobre um grande fogão de tijolos refratários, vina que vinha em lata, aquecia feijoada que vinha em lata, cozinhava charque que vinha em mantas... e, lá, eu via e experimentava coisas de comer que jamais tivera visto ou provado.
Vina em lata... que admiração aquilo me causava!
Aquele fogão de boca grande que engolia um pau de lenha cortado no tamanho de metro, volta e meia, cuspia uma brasa que teimava em marcar o assoalho, deixando no chão de tábuas, uma roda preta de carvão queimado.
Depois de encher a pança e com um caniço em punho eu sentava na barranca, ao lado do rancho, munido dumas sobrinhas de arroz misturado no fubá e passava o dia contentando a lambarizada.
Passei ali o dia e os dias... posso dizer que passei, naquela encosta de rio, um bom dobrado de minha infância.
A ponte era toda velha e já estava em vias de despencar. Grossos eucaliptos podres teimavam em sustentar a pesada estrutura de pranchões, mas havia previsão de melhora. A empreiteira que modificava o pampa para a chegada do alagamento da nova barragem previa, como modernidade, a feitura de nova ponte.
E foi assim, sentadinho naquela barranca, pescando lambaris e saicangas, que eu vi a velha ponte desmoronar.
Vi a pompa dos eucaliptos já ruídos pelo tempo se partir facilmente, quando no avanço das grandes máquinas de pás pesadas.
Vi, assim como num estalido de dedos, tudo vir abaixo.
Que impacto foi pra minha mente ver o poder que tem o homem sobre as coisas!
Então, em cima daqueles escombros e depois do saracotear do maquinário, surgiu uma nova e moderna estrutura. Toda armada em ferro retorcido e revestida de concreto... coisa grandiosa mesmo!
O barranco onde eu me sentava pra vagar a minha infância sucumbiu, coberto pelo volume das águas na chegada do grande lago.
O casebre de tábuas veio abaixo e se transformou num amontoado de madeirame.
A firma que terminou o serviço e deixou ali uma marca de modernidade, escafedeu-se rumo a novas empreitadas.
Meu pai seguiu novos rumos... conseguiu vaga e entrou de operário em firma de cerâmica na cidade grande.
Eu, piá, segui a minha juventude rumando pra me fazer homem.
Hoje recordo com carinho do serpenteado que a água fazia antes de passar por debaixo da velha ponte do Rio Verde; lembro de como era o barraco de costaneira, da feijoada e das vinas que vinham acomodadas em lata, das mantas de charque, dos pedaços de vida, saudade do meu pai que há um bom tempo já se foi, recordação dos meus ternos tempos de piá e de tantas outras coisas boas que já se foram e passaram!
Passaram, assim como passa a vida, assim como passaram e passam até os dias de hoje as águas mansas daquele rio, indo adiante, ‘garrando’ o rumo do mar... pra não mais voltar.
[...]A Velha Ponte do Rio Verde, ss”.