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Uma carta escondida

Uma carta encontrada anos depois cria uma reflexão sobre doação de órgãos, por um menino que não conseguiu um doador para salvar sua vida.

Uma carta escondida

05/10/2016

Colaboração de Caroline Paulart com supervisão de Danielli Artigas

Na terceira gaveta, embaixo dos brinquedos. Assim, Raquel Costa Paulart encontrou uma carta que já emocionou a todos que foram visitar o quarto do seu filho, Anderson Paulart Junior, que tinha 14 anos e  faleceu em dezembro do ano passado após sete anos de tratamento contra a Leucemia Linfoide Aguda, que apresentou três recidivas. Pelo conteúdo da carta, essa não é exatamente a matéria que poderia ser escrita com ela, mas se faz necessária. Detalhe: ninguém sabia da existência dela, até o dia que Raquel criou coragem para mexer nas coisas do Junior e a encontrou.

A carta foi escrita em junho de 2013 e traz como título um sincero “Obrigado”. Esse agradecimento está direcionado a um possível doador, a quem Junior esperou ansiosamente por cinco anos. “Olá, meu nome é Anderson Paulart Junior, se você está lendo essa carta é porque você é o meu doador”, assim começa o primeiro parágrafo. Essa matéria tem cunho emotivo, por que não é possível ver outra forma  de abordar esse assunto, se não assim. Para quem não acompanhou os veículos de comunicação, o  mês de setembro é dedicado à conscientização de doação de órgãos e tecidos, e atualmente, segundo o Ministério da Saúde, quase 70 mil pessoas e suas famílias aguardam um transplante, seja ele de órgãos ou de medula óssea. Para ter uma noção maior do tamanho dessa fila, se pegarmos a população de Campo Largo hoje, que está em torno de 112 mil pessoas, teríamos cerca de 62,5% de pessoas esperando por uma chance sobreviver ou de ter uma vida melhor.

Há ressalvas. Apesar do grandioso número de pessoas que estão na fila, o Brasil é o segundo país do mundo em realização de transplantes, e o terceiro em número de cadastros em bancos de medula  óssea, liderado pelos Estados Unidos, e em segundo a Alemanha. Isso mostra que o brasileiro é um povo consciente e solidário, mas é preciso saber que para que uma doação ocorra é necessária a  compatibilidade.

Segundo o Redome (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea), as chances de encontrar uma pessoa compatível é de 1 em 100 mil. “A combinação de genes do doador e do paciente deve ser idêntica (100%) ou muito próxima do ideal (90%). A análise é realizada em testes laboratoriais específicos, a partir das amostras de sangue do doador e receptor, chamados de exames de histocompatibilidade (HLA)”, por isso a dificuldade.

Além disso, no caso de doação de órgãos, são feitos exames laboratoriais para verificar a  compatibilidade, e também a triagem, a qual leva em consideração o nível de urgência e também o tempo de espera na fila. Segundo a Adote (Associação Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos), uma só pessoa pode salvar ou melhorar a vida de cerca de 25 pacientes que estão na fila. “As partes do corpo que podem ser aproveitadas para a doação são: dois rins, dois pulmões, coração, fígado e pâncreas, duas córneas, três válvulas cardíacas, ossos do ouvido interno, cartilagem costal, crista ilíaca,
cabeça do fêmur, tendão da patela, ossos longos, fáscia lata, veia safena e pele. Mais recentemente, também foram realizados transplantes de uma mão completa.” É importante saber que a doação de alguns órgãos pode ser feita tanto em vida, como também após a morte encefálica decretada por laudos médicos, essa só  pode ser autorizada pela família do doador, por isso a necessidade de  conversar sobre o assunto em família.

Enquanto para doar medula óssea, é preciso se dirigir até um banco de sangue e pedir para realizar o  cadastro, quando será coletado 10 ml de sangue para o registro. Somente é chamado aquele que é compatível com um paciente. Se for levar em conta dados estatísticos, segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), 90% dos pacientes que estão na fila esperando um doador de medula óssea, o encontram, mas infelizmente, o Junior fez parte dos 10% que não conseguiram resistir esperando alguém realizar o cadastro. No caso de pacientes à espera de órgão, ano passado, 2,3 mil pessoas faleceram na fila, entre elas 64 crianças. Como já foi avisado, essa matéria possui cunho emotivo e deverá fazer com que você, enquanto leitor, pense quantas pessoas também não escreveram e ainda escrevem uma carta endereçada ao seu doadore.

Para aqueles que querem saber como ela termina, “então preste muita atenção: estou escrevendo essa carta para alguém que eu nem sei se existe. Então quero dizer que sempre estarei orando por você e  estou muito agradecido por você doar a medula para mim, e lembre-se você salvou uma vida, a minha vida! Com muito carinho de Anderson Paulart Junior, um garoto de 11 anos com a esperança de um doador”.