Quarta-feira às 27 de Novembro de 2024 às 07:53:55
Geral

Nova chance

28/04/2014

Jovens criam projeto na internet para dar nova chance a moradores de rua

Nova chance

28/04/2014

Fonte:G1.com

Foto:Bibiana Dionísio/ G1

 

Um grupo de oito jovens de Curitiba decidiu dar atenção àquilo que está presente nas ruas da cidade, porém, muitas vezes, é ignorado ao ponto de ser camuflado entre prédios, carro e a pressa do dia a dia. O projeto “Kmuflados.com” adota um morador de rua por vez e, por meio da internet, divulga o que há por trás de pessoas que hoje não têm um teto. “O objetivo é conscientizar as pessoas que veem os vídeos de que os moradores de rua têm histórias. Não queremos deixar perdidas essas histórias. A gente acredita que cada história é valiosa e traz aprendizado para todo mundo”, tenta resumir o idealizador do projeto, Eduardo França Xavier, de 25 anos, formado em administração de empresas.

O último levantamento oficial sobre a população de rua do país é de 2008. A Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, indicou que existiam 2.700 moradores de rua na capital paranaense. Atualmente, a Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS) considera, a partir dos atendimentos, que o número seja maior chegando aos 3.500. O levantamento foi realizado em 71 cidades brasileiras e também levantou os principais motivos que fazem alguém parar na rua. O problema com alcoolismo e/ou drogas está no topo da lista, sendo a causa apontada por 35,5% dos moradores de rua entrevistados. Em seguida, está o desemprego - 29,8% e, em terceiro lugar, estão as desavenças com familiares - 29,1%. Dos entrevistados, 71,3% citaram pelo menos um desses três motivos que, segundo os técnicos responsáveis pela pesquisa, pode estar correlacionado ou ser uma consequência do outro.

Além de dar atenção a esse público - os voluntários são muitas vezes apenas um ombro amigo - o foco do projeto "Kmuflados" é dar o primeiro impulso para que essas pessoas consigam recomeçar. Eduardo conta que sempre teve vontade de criar algo que pudesse ajudar o próximo, entretanto, nunca havia colocado uma ideia em prática. Foi entre uma pedalada e outra, no caminho para o trabalho, que os camuflados das ruas curitibanas saltaram aos olhos. A situação de vulnerabilidade começou a indignar Eduardo e também a provocar reflexões sobre qual seria a história de cada um daqueles moradores de rua.

“Lembrei-me do mendigo-gato de Curitiba. Ele teve uma foto publicada na internet, e aquilo mudou a vida do cara. Se uma foto pode fazer isso, imagine um projeto dedicado a isso, com o vídeo contando a história, um blog, atuação pelas redes sociais... Hoje a divulgação é muito mais fácil. Por meio da internet posso tenta resgatar essas pessoas, assim como aconteceu com o mendigo-gato”, disse Eduardo ao explicar como surgiu a ideia do projeto.

O primeiro “kmuflado” dos jovens curitibanos é Ronaldo Chaime Macedo, de 41 anos, que trabalha como catador de material reciclável. As primeiras conversas dos integrantes do projeto com Ronaldo começaram em outubro de 2013. Ele diz que está há oito meses vivendo em baixo de uma ponte no bairro Guabirotuba e que virou morador de rua após o fim de um relacionamento. “Fracassou o casamento, fui abandonado pela minha mulher e pela família dela. Eu não tenho profissão, não tenho estudo, desanimei e terminei caindo na rua. Eu tinha uma vida normal, uma casa mobilhada, água, luz, tudo. Mas entrei em depressão, desaminei, perdi as forças, virei um bebê, um neném”.

Durante um longo período, a droga fez parte da vida de Ronaldo. Ele conta que foi usuário por dez anos, mas que há dois meses parou de usar. A iniciativa está aliada ao projeto, de acordo com Ronaldo. Segundo ele, o estralo para mudar de vida veio depois de assistir ao filme, produzido pela equipe do Kmuflados, e que fala um pouco sobre quem é e como vive Ronaldo.

“Eu tive vontade de parar, tive força de parar. Esse negócio de droga é uma vida errada. Uma pessoa que quer ter casa e emprego tem que parar. Morar na rua não é para ninguém. O morador de rua que está feliz é aquele que está perdido na droga, que é proibida. Então, para ele poder usar tem que se esconder dentro de mato, nos valões, debaixo da ponte. Esses estão no grau de vida que querem, mas, para mim, que já tive família, casa, tudo, está péssimo, está muito ruim, não é bom não”, lamenta.

Hoje, Ronaldo diz que se sente melhor, mais confiante e já faz planos para o futuro. Ele quer construir uma nova família, ter emprego e casa. Aos poucos, a vida tem se tornado menos sofridas, e as oportunidades começam a aparecer.  Ele conta que a divulgação dos vídeos, das fotos e dos relatos fez com que mais pessoas o procurassem para doar roupas, sapatos, cobertores, comida e dinheiro. O espírito também tem sido alimentado com boas conversas, desabafos e aulas de dança.  “Eu estou mais sossegado. Eu parei de ficar incomodado, perturbado. A droga te dá um pulso para se mexer, entrar em ação, mas é uma força negativa. Porque todo o dinheiro que a pessoa consegue, corre para favela em busca da droga. Eu parei com essas corridas, estou mais calmo, estou me alimentando melhor, passos mais firmes”.

A próxima fase desta trajetória está prestes a ser alcançada. O projeto “Kmuflados” conseguiu um emprego para Ronaldo na área de construção. Entretanto, antes de assumir a função, ele precisa encontrar uma casa para viver porque diz que só aceita o trabalho se tiver um local para deixar os cinco cachorros que estão sempre com ele. Nesta vida de rua, os animais são a família e a companhia de Ronaldo.

“Eu não quero abandonar meus bichinhos, e as famílias que alugam casas quase não aceitam cachorros”, justifica. Agora, para não perder esta oportunidade, Ronaldo vai intensificar a busca por um lar, que terá o primeiro mês do aluguel pago pelo projeto.

Eduardo fica contente em ver a evolução de Ronaldo e acredita na recuperação. “Hoje, a gente vê o dinheiro que ele ganha nas coisas que ele está comprando. Ele já comprou uma bicicleta, um celular e entrou em contato com a família de novo. Ele não falava com a família há 10 anos”, lembrou Ronaldo.

Todavia, o momento de dar uma nova chance à outra pessoa está chegando. “A gente faz o que está ao nosso alcance. A gente mostra a porta e quem abre é a pessoa. Conseguimos o emprego e ele tem um alojamento para ficar, mas tem o problema dos cachorros. Chegamos a um ponto que se ele não sair da rua é mais por opção dele”, disse Eduardo que já está à procura de uma nova história. Todo o processo, então, será retomado do início. Assim que eles escolherem o morador de rua, vão se aproximar, conversar e estabelecer laços de confianças. Depois, é só apresentar o projeto e ver se mais um aceita sair da camuflagem da cidade.