09/05/2012
Tráfico de mulheres passa pelos aeroportos de Foz e Curitiba
09/05/2012 Fonte: Gazeta do povo
Foz do Iguaçu e Curitiba estão no mapa do tráfico internacional de pessoas no Brasil. É pelos aeroportos da cidade fronteiriça e da capital que passam a maior parte das mulheres aliciadas pelas quadrilhas internacionais no Paraná, segundo a Polícia Federal (PF). O destino são países da Europa (Portugal, Espanha e Itália) e América do Sul (Chile).
O delegado da PF responsável pelas investigações de tráfico de pessoas no Paraná, Flúvio Cardinelli Garcia, diz que denúncias sobre o embarque de vítimas aliciadas pelas quadrilhas chegam com frequência. Os casos atendidos são de mulheres de 20 a 30 anos, de boa aparência física, iludidas por ofertas de emprego no exterior. Algumas delas sabem que estão sendo recrutadas para se prostituir, mas se surpreendem ao serem escravizadas e terem o passaporte retido. “Algumas pensam em voltar, mas tornam-se escravas sexuais”, diz Garcia.
No Sul do país, o Paraná é o estado com o maior número de inquéritos abertos por tráfico de pessoas, entre 1990 e 2009, segundo a PF. São 39, contra 6 em Santa Catarina e 28 no Rio Grande do Sul. No Brasil, o crime é mais incidente em Goiás, onde no mesmo período foram instaurados 143 inquéritos. Entre 2004 e 2009, a PF fez 18 operações para combater o tráfico de pessoas. As ações resultaram em 138 prisões, no Brasil e no exterior.
Rotas regionais
Na Tríplice Fronteira, o tráfico envolve brasileiras, paraguaias e argentinas. A polícia já identificou quadrilhas que levam argentinas a Santa Catarina e brasileiras ao Paraguai. Na mão inversa, paraguaias entram no Brasil para serem levadas para a Espanha, via Foz do Iguaçu.
Para burlar a fiscalização nas aduanas, os aliciadores usam os rios Paraná e Iguaçu. A qualquer momento é possível fazer uma travessia de barco, que dura dez minutos, do Paraguai para o Brasil ou para a Argentina.
Nos últimos meses, o Consulado Brasileiro no Paraguai atuou, junto com a polícia local, em duas situações de resgate de adolescentes brasileiras em colônias brasiguaias. Uma na cidade de San Alberto e outro, mais recente, em Los Cedrales. Duas adolescentes de 13 anos, em situação de risco, foram trazidas para as famílias em Foz do Iguaçu. O delegado da PF em Foz do Iguaçu, Reginaldo Batista, diz que a polícia encontra dificuldade para atuar na fronteira em razão da falta de denúncias.
Quando resgatadas, as aliciadas pelas quadrilhas encontram refúgio em ONGs. Kiara Heck, psicóloga especializada no atendimento de vítimas, diz que os casos atendidos, inicialmente, envolvem prostituição, dependência química e violência. No entanto, ao se investigar com mais profundidade a situação da vítima, é comum caracterizar a prática do tráfico humano. “Muitas vezes elas não se consideram vítimas”, diz Kiara.
Geralmente, as mulheres caem na rede do tráfico a partir de uma falsa promessa de emprego ou de relacionamentos afetivos com aliciadores. Para Kiara, é necessária mais atenção do poder público no atendimento às vítimas. Hoje parte deste papel é cumprido pelas ONGs.
Seduzida por falso namorado
Aos 16 anos, Flor de Lis (nome fictício) apaixonou-se por um homem gentil e galanteador. O namoro foi marcado por muito carinho e flores. Um dia, o namorado a convidou para conhecer um local de praia. Lá, Flor de Lis fez passeios, divertiu-se e foi levada a uma festa, em um lugar que ficava em uma montanha. Ao chegar, a menina deparou-se com mulheres tristes e vestidas com roupas vulgares. Ao subir uma escadaria, foi agredida por um homem e trancada em um quarto. Lá foi obrigada a consumir drogas e fazer seu primeiro programa.
Ela diz ter ficado anos sem contato com o mundo externo e quando conseguiu se livrar dos traficantes, teve muita dificuldade de encontrar ajuda. Hoje, aos 45 anos, Flor de Lis faz tratamento contra a aids e dependência química.
Jornadas Transatlânticas
Pesquisa mapeia rotas principais das vítimas de quadrilhas
As características do tráfico de pessoas entre o Brasil e a Europa estão descritas em um estudo feito pelo International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), entre agosto e setembro de 2009, em parceria com a Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça.
A pesquisa Jornadas Transatlânticas, realizada com base em 84 entrevistas com policiais, procuradores e funcionários de organizações nãogovernamentais (ONGs), indica que Espanha, Portugal e Itália estão entre os países mais procurados pela rede de traficantes pela facilidade do idioma. Em alguns casos, esses países são usados como ponte para se chegar à Suíça, onde o programa sexual custa cerca de 150 francos suíços. Na Europa a média paga é de 50 euros.
A pesquisa traz números sobre mulheres deportadas na Europa, com base nos casos registrados no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo.
O Paraná aparece como o quarto estado quanto à origem das vítimas deportadas, segundo a pesquisa. Os primeiros são Goiás, Minas Gerais e São Paulo.
A busca pelo glamour e o desejo de melhorar o padrão de vida são fatores que levam as mulheres a serem vítimas do tráfico humano, conforme o levantamento. Os policiais entrevistados argumentam que uma das estratégias usadas pelos aliciadores para convencer as mulheres passa pelo luxo: eles as levam ao cabeleireiro, em lojas de roupa e restaurantes refinados.
Outro dado preocupante refere-se à conivência familiar. Há mães cientes quanto à mudança das filhas para a Europa para atuar no mercado do sexo, segundo a pesquisa. A família apoia a decisão porque vê na viagem das filhas oportunidade para conseguir uma renda extra e prosperar. (DP)
Burocracia
Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico no Paraná não saiu do papel
A implantação de núcleos de enfrentamento nos estados e de postos avançados em municípios faz parte da política do governo federal para coibir o tráfico de pessoas. No entanto, há atraso no funcionamento de alguns núcleos. Outro problema é que os núcleos e postos hoje são realidade na minoria dos estados e municípios brasileiros. Atualmente, os núcleos funcionam nos estados de Goiás, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Acre.
No Paraná, o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas não saiu do papel ainda, apesar do convênio assinado dia 27 de dezembro do ano passado entre o governo do estado e a Secretaria Nacional de Justiça. Segundo a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju), as atividades do núcleo ainda não começaram porque os recursos federais não foram repassados.
O Brasil promulgou o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em 2008 com ações, diretrizes e políticas para coibir o problema, mas a própria legislação dificulta o combate a esse tipo de crime. O artigo 231 do Código Penal, que tipifica o tráfico internacional de pessoas, menciona apenas a exploração sexual e não contempla o trabalho escravo e aliciamento para fins de emigração. (DP)