15/12/2011
Paraná tem duas entre as cinco cidades mais violentas do país.
15/12/2011 Fonte: Gazeta do povo
Um milhão e cem mil brasileiros foram assassinados nos últimos 30 anos, o equivalente às populações de Londrina, Maringá e Guarapuava somadas. Os homicídios passaram de 13,9 mil, em 1980, para 49,9 mil, no ano passado, um aumento de 259%. No período, a taxa variou de 11,7 para 26,2 assassinatos a cada grupo de 100 mil habitantes.
Só no ano passado ocorreram 50 mil homicídios no país, média de 137 por dia. O Paraná é o nono estado mais violento do país e tem duas cidades - Campina Grande do Sul e Guaíra - entre as cinco mais violentas. Curitiba ocupa a sexta posição entre as capitais, com taxa de 55,9 homicídios por 100 mil habitantes.
O Mapa da Violência 2012, divulgado ontem pelo Instituto Sangari, mostra Alagoas no topo do ranking, seguido do Espírito Santo, Pará, Pernambuco e Amapá. O relatório mostra que, de maneira geral, ao longo dos últimos 30 anos os polos de violência no Brasil se deslocaram das capitais e regiões metropolitanas para o interior dos estados. Ao contrário do restante do país, o Paraná não teve uma interiorização da violência: os crimes estão concentrados em Curitiba e sua região metropolitana. O estado passou de uma taxa de 10,8 para 34,4 assassinatos a cada 100 mil moradores.
Interiorização
Segundo o Mapa, entre 1980 e 1995 as capitais passaram de 18 para 40 homicídios a cada 100 mil habitantes, um aumento de 124%. No mesmo período, cidades do interior passaram de 7,5 para 11,7 homicídios em 100 mil moradores, crescimento de 56%. Já entre os anos de 2003 e 2010, as capitais e regiões metropolitanas registram uma queda de 23,8% enquanto os índices do interior cresceram 21,4%. Pelo estudo, as cidades de Simões Filho (BA), Campina Grande do Sul (PR), Marabá (PA), Guaíra (PR) e Porto Seguro (BA) ocupam as primeiras posições do ranking.
A taxa de homicídios no Paraná passou a crescer com mais força em meados dos anos 1990, justamente quando o número de assassinatos disparou na Região Metropolitana de Curitiba. No começo daquela década, o índice a cada grupo de 100 mil moradores era de 14,4 e no interior, 13,9. Já no ano passado, o Mapa revela que a região metropolitana e a capital apresentaram uma taxa de 47 a cada 100 mil moradores, enquanto no interior o índice foi de 24,8.
Conforme o relatório, a média anual de mortes por homicídio no país supera o número de vítimas de enfrentamentos armados no mundo. Entre 2004 e 2007, 169,5 mil pessoas morreram nos 12 maiores conflitos mundiais. No Brasil, o número de mortes por homicídio nesse mesmo período foi 192,8 mil. “Fica difícil compreender como, em um país sem conflitos religiosos ou étnicos, de cor ou de raça, sem disputas territoriais ou de fronteiras, sem guerra civil ou enfrentamentos políticos violentos, consegue-se exterminar mais cidadãos do que na maior parte dos conflitos armados existentes no mundo”, diz o documento.
Para o professor Pedro Bodê, do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a ‘capitalização’ dos assassinatos no estado deve-se à falta de políticas públicas e policiais. “Houve esse crescimento na taxa como um todo pela falta de repressão e de políticas públicas. Mas, o que precisamos é de políticas que destinem mais verba para o setor de segurança pública, com investimento tecnológico e modernização do próprio Poder Judiciário”, ressalta.
Professor do curso de Ciências Sociais pela PUC-Minas e secretário executivo do Instituto Minas pela Paz, o sociólogo Luiz Flávio Sapori lamenta a situação em que o Paraná se encontra. “Isso é reflexo da falta de investimento na segurança pública nas últimas décadas. Faltam policiais e políticas eficazes no combate à criminalidade”, enfatiza. No entanto, Sapori acredita que a interiorização da violência – registrada em grande parte do país – é explicada pelo próprio avanço socioeconômico que ocorre em cidades menores. “As cidades do interior estão crescendo economicamente e socialmente. Esse crescimento traz consigo o tráfico de drogas e a presença de armas de fogo, o que contribui para o aumento da violência”, explica.
Paraná é o nono mais violento entre os estados
No Paraná, a taxa de homicídios teve um crescimento de 86% entre 2000 e 2010, fazendo com que o estado subisse da 16.ª para a 9.ª posição no ranking do Mapa da Violência. Apesar de a taxa de homicídios ter regredido o índice de 35,1 para 34,4 por 100 mil habitantes entre 2009 e 2010, o estado registra um índice superior ao do Rio de Janeiro, que, por sua vez, caiu em 10 anos da segunda posição para a 17.ª.
Em Curitiba, a taxa de assassinatos acompanhou o crescimento da violência no país e subiu 113,2% no mesmo período. Com isso, a cidade passou de 20º para 6ª colocada na lista das capitais mais violentas.
Em números absolutos, o Paraná registrou 3.588 homicídios no ano passado contra 1.766 em 2000, uma alta de 103,2%, a mais alta entre os estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No mesmo período, o Brasil apresentou aumento de 10,1% na taxa. No país, 45.360 homicídios foram registrados em 2000 e 49.932 em 2010.
“Estamos vivendo um genocídio. É uma vergonha nacional. Os números demonstram que o país não consegue ser capaz de encontrar soluções para a criminalidade”, enfatiza o sociólogo Luiz Flávio Sapori, pesquisador da PUC de Minas Gerais. “A realidade do Paraná ainda é a metropolização da violência, apesar de existirem cidades do interior violentas. A região metropolitana de Curitiba ainda é tomada pelo alto índice de homicídios”, salienta o sociólogo Julio Jacobo, diretor de pesquisa do Instituto Sangari. Ele explica que o objetivo do Mapa é apontar os caminhos para que os governos federal e estadual apliquem políticas públicas capazes de deter o avanço da criminalidade.
Plano de metas
A partir de 2012, cada uma das 23 Áreas Integradas de Segurança Pública do Paraná (Aisp’s) – divisão geográfica que reú¬¬ne municípios em diferentes regiões do estado – terá de cumprir metas específicas de redução na taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes. A Secretaria da Segurança Pública (Sesp) afirma que pretende fechar 2015 com uma taxa de 21,5 mortes por 100 mil/habitantes no estado.
O plano de metas envolvendo indicadores de criminalidade, já presente em estados como Minas Gerais e Rio de Janeiro, foi anunciado anteontem. A medida prevê uma redução gradual nos próximos quatro anos, que deve ser viabilizada por uma série de ações do programa Paraná Seguro. Além das metas para as Aisp’s, o plano também estabelece reduções específicas para Curitiba, que será subdividida em 13 áreas.
Análise policial
Crescimento desordenado é uma das causas
Vítor Geron e Felippe Aníbal
O delegado Rubens Recalcatti, chefe da Delegacia de Homicídios (DH), concorda com os períodos destacados no relatório e aponta fatores que motivaram a mudança na evolução das taxas de assassinatos. Segundo Recalcatti, a primeira aceleração nos índices tem raízes estruturais: está relacionada ao crescimento desordenado da região metropolitana e de bairro periféricos de Curitiba, para onde migraram trabalhadores de todo o estado. “A população explodiu nesses lugares, mas a infraestrutura não acompanhou esse crescimento”, avalia.
Obedecendo à mesma dinâmica estrutural, a própria polícia ficou para trás, segundo o delegado. A falta de investimentos nas forças policiais teria criado o que Recalcatti classifica de “situação anômala”. “Hoje temos regiões da capital com 250 mil habitantes e que estão sob responsabilidade de um único distrito. A defasagem é brutal”, aponta.
O segundo catalisador das taxas, na avaliação do delegado, seria a chegada do crack ao Paraná. Por ser uma droga relativamente barata e com alto potencial de dependência, o entorpecente levou pouco tempo, de acordo com Recalcatti, para se consolidar, principalmente entre as camadas sociais mais vulneráveis. “Hoje, a maior causa de homicídios é o crack e o tráfico. Essa droga potencializou um quadro que já era gravíssimo”, explica.
Ainda de acordo com Recalcatti, mudanças no comportamento das pessoas também contribuem para o aumento dos índices. “A maior tolerância às drogas, como a liberação da marcha da maconha, e outras ‘liberalidades’ também compõem este cenário.”
Crime atinge mais negros do que brancos
O Mapa da Violência mostra que, de 2002 a 2010, a taxa de homicídios de brancos vem caindo no país, enquanto que a de negros está subindo. Segundo o estudo, o número de homicídios de brancos caiu de 20,6 para cada 100 mil habitantes em 2002, para 15 em 2010. Já o dos negros subiu de 30 para cada 100 mil habitantes em 2002, para 35,9 em 2010.
Os dados mostram que para cada dois brancos vítimas de homicídio em 2002, morreram aproximadamente três negros. Já em 2010, para cada dois brancos assassinados 4,6 negros foram vítimas de homicídio.
“É um fato preocupante porque a tendência está aumentando. Nossa mídia veicula o que acontece em famílias abastadas e há uma preocupação dos órgãos de segurança com isso. Mas ninguém noticia que morreram dois negros em uma favela, a não ser que seja uma chacina”, diz o coordenador da pesquisa Julio Jacob Waiselfisz.
De acordo com ele, a maior violência contra os negros pode ser explicada também pela questão econômica e pela privatização da segurança. “Quem pode pagar, paga a segurança privada, que protege melhor”. Como a população negra é, em média, mais pobre, explica Jacob, passa a depender dos órgãos de segurança pública que, geralmente, não conseguem atender adequadamente a população.
“Essas evidências nos levam a postular a necessidade de reorientar as políticas nacionais, estaduais e municipais, em torno da segurança pública, para enfrentar de forma real e efetiva essa chaga aberta na realidade do país”, diz o texto do estudo.