Trechos da história de Silvano Silva, que conta com ricos detalhes sobre a vida simples e feliz em Campo Largo, descrevendo também tradicionais empresas locais
Meu avô se bandeava lá do sítio que ficava nas grotas do Botiatuva de mês em mês e trazia a rabeira da carroça repleta de queijos, feijão e milho - meu irmão Mario e eu, juntos - para serem vendidos nos armazéns de “secos e molhados” aqui do Centro.
Uma das paradas era o moinho da família Druziki, na rua Domingos Cordeiro. Moinho de tábuas, quatro andares, 18 metros de altura, era o prédio mais alto da cidade. Que admiração me causava aquela construção de vanguarda!
Apiávamos também na Casa Soviersoski, do seu “Estacho”, onde o vô José comprava ferraduras e cravos, grampos para arame farpado, botinas, cera Parquetina incolor, feltros para se forrar selas e chicotes trançados de couro cru - daqueles que faziam vergão avermelhado nos cambitos de piás daninhos.
Outra parada certeira era no casarão do seu Toni Puppi, na esquina da Igreja da Matriz; ali havia pólvora, lúpulo, breu, graxa, palha de aço para escovão, sal grosso, querosene e pavio para lampião... itens de nossa serventia e de uso cotidiano.
Na farmácia do seu Odair Lamóglia, ali nos fundos da Praça Atílio de Almeida Barbosa, ele apanhava Cibalena pra dor de dente, Ruibarbo pra afinar o sangue e, quase sempre, um vidro de Biotônico Fontoura; esse, encomenda de minha mãe. Ela batia aquilo no liquidificador com um ovo de pata - clara, gema e casca... tudo misturado - e dava em medida de um calicezinho diariamente pra gente beber - eu e meu irmão - como forma de evitar que o Simioto, a “doença do macaco”, nos fosse “companheira” novamente.
Não queríamos fortificante caseiro e tampouco de farmácia, queríamos, sim, eram os pirulitos de açúcar caramelado, em formato de bichos - pavão era o meu preferido - que eram vendidos no Sápis. Quissá um bolim-bolache ou um “homenzinho paraquedista”, que ficavam em amostra por sobre o balcão de atendimento da Cobal... aqueles em que se punha um pedregulho na dobradura do plástico que formava o paraquedas e, com toda a força que havia no bracinho nosso de criança, o impulsionávamos na direção do azul do céu, para vê-lo abrir e descer suave e em queda livre, até bater no areão do chão duro. Essa era a nossa vontade.
Queríamos brincar no escorregador, na gangorra e na pequena tirolesa que havia no parquinho de diversões que ficava exatamente onde hoje é o Correio; tínhamos o gosto apurado por sentar no banco de lata e virar o volante do velho Rolo Compactador, uma antiga e pesada máquina da Prefeitura que houvera sido colocada em desuso e que ficava estacionada por sobre a calçada da Praça Getúlio Vargas, bem em frente ao Foto São Miguel, lá onde tinha o retrato de um lobisomem colado no vidro do balcão. Fotografia essa, inclusive, que tenho comigo guardada até hoje... cópia que o seu Miguel Odpes me deu de presente, depois de revelar o negativo que ainda era feito em vidro.
Essas passagens aqui na minha Campo Largo de “dantes” me enchem o coração de sentimentos e de saudade. Divagando, chego a sentir o cheiro da poeira das ruas que eram de terra. Lembro das cores de certos casarios que tinham arabescos de ferro fixados em suas fachadas e do desenho dos seus lambrequins.
Me vem à mente os fotógrafos com seus burricos e carneiros coloridos que ficavam na esquina da Loja do Boneco batendo chapas dos “exibidos”, que engarupados em cima da “cacunda” dos bichinhos, trocavam moedas por poses em retratos. O balir daqueles carneiros e o zurrar daqueles burricos ainda ecoam em minha cabeça.
As famílias proseando e revezando a cuia de chimarrão na calçada das casas sem muros, em que as portas e as janelas, à beira das ruelas estreitas e de pouco movimento, ficavam abertas durante todo o dia.
Saudade que dá. Saudade que rói. E vida que segue!