04/12/2014
Lucio Flavio lamenta desunião no futebol e vê Paraná "parado no tempo"
04/12/2014
Fonte:G1.com
Foto:Divulgação/G1
As chuteiras de só uma cor (normalmente pretas ou brancas), a discrição nas redes sociais, as ideias claras durante as entrevistas e engajamento em movimentos pela melhora do futebol brasileiro mostram que Lucio Flavio é um jogador que foge ao estereótipo do boleiro. Em campo também é diferenciado e um dos raros camisas 10 que ainda jogam nos gramados brasileiros.
É titular do Paraná desde a volta ao clube de criação, em 2012, e um dos líderes do Bom Senso FC. Não tem papas na língua ao analisar aspectos relacionados ao esporte. Critica o próprio Tricolor ao comentar sobre a estrutura e condições de trabalho. "Digamos que parou no tempo". E lamenta a falta de união da classe de jogadores. "É difícil você fazer uma situação generalizada aqui no Brasil". E também desabafa contra dirigentes que são movidos pela emoção. "Acabam cometendo erros com medo da violência".
Com passagem por outros 10 clubes, como Atlético-MG, Botafogo, Coritiba e Vitória, o curitibano Lucio Flavio dos Santos tem 35 anos. Pretende jogar por mais dois. Só ainda não sabe onde - com contrato perto do fim, ele ainda aguarda uma proposta para renovar com o Paraná Clube. Depois de pendurar as chuteiras, garante que vai continuar no futebol. "Não me vejo fora, né?".
Lucio Flavio conversou com a reportagem do GloboEsporte.com antes do último treinamento do Paraná Clube na temporada, na última sexta-feira, em uma das cadeiras da Vila Capanema. Confira, a seguir, a íntegra da entrevista.
Hoje, o Paraná tem três referências: você, o Marcos e o Ricardinho. Como vê a importância de vocês e como é o trabalho nesta fase complicada do clube?
Até pelo fato de praticamente termos iniciado carreira aqui dentro do clube há anos e ter alcançado alguns objetivos profissionais, depois, cada um de nós seguimos para outros caminhos, mas tivemos oportunidade de voltar. E voltar quando o clube atravessa momentos complicados, hoje em dia, é até difícil para que muitos profissionais tenham esse tipo de posição (voltar ao clube). Mas, até pelo carinho que cada um de nós tem por tudo o que o Paraná nos proporcionou no início da carreira, dando condições para que nos tornássemos profissionais e, no caso do Ricardo, agora na função de treinador, acho que era aquilo que se esperava. Que nós fizéssemos nosso papel dentro de campo e, consequentemente, fora agregar alguma coisa em função de ser algo bom para o clube.
Você saiu no principal momento da história do Paraná, após o pentacampeonato, e voltou talvez no pior. Ficou mais de 10 anos longe do clube, mas o que considera determinante para a queda do Paraná nesse período?
A partir do momento em que foi designada a Lei do passe, alguns clubes acabaram se perdendo com isso, e incluo também o Paraná. Era um clube que tinha, dentro da sua formação de base, pelo menos no estado do Paraná, como um dos melhores clubes. Depois, não se preparou da forma ideal, haja vista que, hoje, praticamente todos os clubes estão bem à frente do Paraná em termos de estrutura, em termos de condições porque, digamos, o Paraná parou no tempo. Enquanto outros acabaram fazendo algo que, hoje, é fundamental para qualquer clube: um bom centro de treinamento, boas condições de trabalho para o profissional e, consequentemente, bons estádios com bons gramados. Ao longo desses, pelo menos, quatro ou cinco anos, o Paraná tem encontrado muitas dificuldades em relação a isso, especialmente na questão estrutural, o que dificulta muito para alcançar metas e objetivos, que é o que todo clube procura fazer.
Acha que o Paraná vai voltar a ser grande quando investir em estrutura, ou seja, no longo prazo? Ou dá para acelerar esse processo?
Eu acho assim, que é difícil você colher resultados diferentes se continua fazendo a mesma coisa. Tem que fazer algo diferente para alcançar objetivos diferentes. O que esperamos na gestão e de estrutura do clube é que possa caminhar de uma forma melhor. Isso é o que não só o torcedor espera, mas qualquer funcionário, qualquer pessoa que gosta do clube espera. Por ter acompanhado esses últimos três anos de Série B, posso dizer que se fizer um pouquinho melhor, dando condições de trabalho e minimizando a parte financeira não é uma situação tão longe de se alcançar uma Série A. Então, se fizer um pouquinho melhor, tiver o esforço da parte de todos em relação a isso, a condição para o Paraná voltar para a Série A não está distante.
Você já passou por vários clubes do Brasil e alguns do exterior. Mas este momento no Paraná, indo agora para o oitavo ano seguido na Série B, é o mais difícil da tua carreira?
Dentro de um clube, sim. Um outro momento, eu diria, foi um momento difícil pelo fato de eu estar dentro de um clube e ter a perda de um companheiro, que foi no São Caetano quando nós perdemos o Serginho dentro de um jogo. Ali, eu vi desencadear um processo difícil para o clube, tanto é que o São Caetano, além de estar fora da Série A do Paulista, também está numa Série D de Brasileiro. Isso praticamente começou lá com a morte do Serginho. Foi um momento bastante difícil. Agora, em relação ao desgaste, em relação ao que você tem ao longo de uma temporada, não tenha dúvida que, aqui no Paraná, este é talvez o momento mais complicado.
Você comentou sobre o São Caetano, que chegou a disputar títulos da Libertadores e do Brasileiro e hoje está na Série D. Você também jogou no Botafogo, que este ano disputou a Libertadores e agora está na segunda divisão. São vários exemplos de clubes que estão muito bem em um ano e, logo na sequência, em uma crise grande. Qual o motivo para tantos clubes terem essa irregularidade?
Eu vejo, no Brasil, a questão de, em um determinado ano, o clube gasta excessivamente e aí, para o ano seguinte, esse dinheiro vai fazer falta. Na maioria das vezes, você pode pegar o histórico de muitos clubes que hoje estão em uma situação ruim e que, um ou dois anos atrás, obtiveram sucesso, foi por causa disso. Contrataram demasiadamente, gastaram muito e, consequentemente, ali na frente vai fazer falta. Então, tudo passa pela gestão, uma gestão profissional dos clubes, questão de você equilibrar o que o clube ganha com aquilo que ele pode vir de fato a gastar. Esse talvez seja um dos pontos que muita gente vem acompanhando nesse processo de mais de um ano em relação ao Bom Senso. O que o Bom Senso quer não é mudar o futebol. É fazer com que, principalmente, os clubes possam trabalhar em cima daquilo que cada um espera, seja aquele que tem uma empresa, aquele que tem a condição de lidar com o futebol. É o fato de o clube gastar aquilo que ele pode. Infelizmente, como no futebol entra muito a questão da paixão, a questão da cobrança do torcedor, aí as pessoas que dirigem os clubes acabam cometendo esse tipo de erro com medo de retaliações no futuro, com medo na questão da violência. Então, é complicado esse processo, mas na maioria das vezes, acontece isso aí.
O Bom Senso tem enfrentado uma barreira pelos cartolas. Você teme que o movimento possa não ter resultados significativos? O calendário, por exemplo, teve uma mudança mínima para o ano que vem.
É, eu não diria que não deu certo. Muitas coisas que até hoje nós estamos vendo em termos de tentativa, inclusive de melhora, foi porque, na realidade, alguns poucos atletas, é bom deixar isso claro, se engajaram nesse processo. O movimento, no início, ganhou corpo, mas em função de determinados clubes serem contra, muitas vezes ameaçando determinados elencos, esses elencos frearam. E os atletas depois não se manifestaram mais. Isso é ruim. É difícil de fazer as coisas aqui no Brasil porque a classe de jogadores é muito desunida, na realidade. O Brasil é um país muito grande. As pessoas falam muito “mas na Argentina não é assim, na Espanha também não”. Mas o tamanho desses países é em relação a muitos estados nossos aqui no Brasil. É difícil você fazer uma situação generalizada aqui no Brasil, mas a questão, por exemplo, da pré-temporada, em relação ao aumento desse período, isso já vai acontecer para 2015. O processo do calendário é uma situação bastante difícil em relação a termos os estaduais, e muitos clubes dependem disso. Depois, você não tem muitas datas para você tirar por causa de Campeonato Brasileiro e de Copa do Brasil. Então, os atletas tentaram, de uma maneira geral, fazer o melhor. Mas o que mais pega, hoje, é na questão do fair play financeiro, com relação a essa questão de os clubes gastaram aquilo que eles arrecadam, para que aí a gente tenha um equilíbrio maior principalmente para evitar esses abusos, de atrasos que acontecem na maioria das equipes.
Você pensa em jogar mais quantos anos?
Em princípio, pretendo jogar ainda mais dois anos. Hoje, estou com 35 anos. E ainda me sinto bem em relação a muitos garotos que a gente tem no nosso dia a dia e até mesmo nos jogos. Então, na minha cabeça, seriam esses dois anos e, consequentemente, a partir desses dois anos, já começar talvez aí a preparar talvez um pós carreira dentro daquilo que gosto de fazer, que é permanecer no futebol. Assim, depois, dar prosseguimento a um novo nível de função.
Esses dois anos no Paraná?
Não tem ainda definido. Meu contrato no Paraná acaba agora. Ainda não teve nenhuma conversa pouco mais forte nesse sentido, mas o que a gente espera, pelo menos dentro desses dois anos, é encerrar bem, independente da situação em que se esteja.
E na sequência, após pendurar as chuteiras, em que área você pretende trabalhar?
Bom, ainda não defini exatamente. Mas é certo que vou ficar no futebol porque fiz toda minha vida dentro do futebol, eu gosto muito disso e não me vejo fora, né? Então, eu acho que eu tenho um perfil que possa vir a ajudar nessa questão depois não sei se na formação de atletas ou de trabalhar com atletas. Mas acho que é algo que provavelmente eu vou dar continuidade.