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Trânsito

15-06-2011

Supervalorização do carro agrava relação entre motoristas e ciclistas

Trânsito

15-06-2011 Fonte: Paraná Online

A invisibilidade dos ciclistas em todo o Brasil veio à tona com a morte do executivo da Lorenzetti, Antônio Bertolucci, atropelado por um ônibus na manhã de segunda-feira (13), em São Paulo. Esse tipo de tragédia é velha conhecida dos ciclistas brasileiros. Na capital paranaense a situação se repete, a ponto de se pleitear leis para garantir o respeito e o espaço para esse meio de transporte. Para o Grupo de Pesquisa em Trânsito e Transporte Sustentável da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que em agosto iniciará uma pesquisa sobre a percepção do carro pelo brasileiro, a origem dessa hostilidade entre motoristas, ciclistas e motociclistas está na supervalorização dada à aquisição do carro na sociedade brasileira.

De acordo com a especialista em psicologia no trânsito e coordenadora do grupo da UFPR, Alessandra Bianchi, por muito tempo o carro foi um patrimônio inatingível por boa parte da população. "Ainda pagamos muito caro por um automóvel, quando comparamos com países europeus e norte-americanos, tanto que é um bem que o brasileiro não empresta", compara. "Todo esse culto, de certa forma, acaba fazendo com que quem tem carro dispense um tratamento diferente e com menos cuidado a quem ocupa as vias com motos e bicicletas. Motociclistas e ciclistas são praticamente percebidos como seres humanos de segunda linha", aponta a especialista. "Os ciclistas ainda têm mais um agravante no Brasil, que é a forte vinculação dada pela propaganda que bicicleta é coisa para criança, enquanto o carro é quase um rito de passagem para a vida adulta", acrescenta Alessandra.

Essas diferenças na forma de se relacionar com os diferentes meios de transportes foi percebida pela técnica de projetos em cooperação Marketa Cerenova, de 35 anos, que em cima de uma bambucicleta (bicicleta de estrutura de bambu) acabou de percorrer mais de dois mil quilômetros entre estradas e ruas da Argentina, Bolívia e Brasil. "Sempre sonhei em cruzar a América do Sul de bicicleta e a realidade superou o sonho. Apesar de ter adorado o Brasil, dos três países, foi aqui que me senti mais invisível no trânsito", relata Marketa, que nasceu na República Tcheca e, antes da viagem, residia em Bruxelas (capital da Bélgica).A viagem com o amigo e criador da bambucicleta, Nicolas Masuelle, durou três meses e 10 dias. "Programamos seguir para Machu Picchu, porém, o cubo traseiro quebrou em uma localidade na Bolívia, sem qualquer oficina, e tivemos que retornar 300 quilômetros para Santa Cruz. Com isso, decidimos seguir direto para o Brasil, pelo Mato Grosso do Sul, onde ficamos quatro dias no Pantanal", recorda. "Despertávamos às 5h, tamanho era o barulho da fauna daquele lugar". Depois, ela foi de ônibus até o Rio de Janeiro por conta de compromissos profissionais. De lá partiu em viagem até aportar em Curitiba, onde pretende ficar por um mês.

Ciclovia ou ciclofaixa?

Na opinião de Marketa, as ciclovias presentes em Curitiba e em diversas cidade do País acabam por desconectar os ciclistas do tráfego. "Creio que isso contribuiu para uma mentalidade que faz os motoristas agirem como se as vias só pudessem ser ocupadas por eles", afirma. Integrante da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu, a produtora cultural Patrícia Valverde reconhece esse descaso e por isso é favorável às ciclovias. "Sinto que motoristas de ônibus e carros não dão preferência para ciclistas. Olham como se fosse parte da paisagem, não há vínculo. Ampliar a quantidade de ciclovias é uma forma de garantir a segurança de quem usa bicicleta", explica.

Para o artista plástico Brahmdev Singh, que também costuma pedalar pela capital, o descompasso entre a velocidade dos dois meios de transporte reforça a demanda por um espaço apenas para bicicletas. "A velocidade mínima dos carros é a máxima para os ciclistas. Quem não é atleta acaba se expondo a um risco muito grande com isso, daí a necessidade de se ter ciclovia".