Domingo às 24 de Novembro de 2024 às 08:27:24
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Restrição de funcionamento dos mercados aos domingos no decreto 4942/2020 - ilegalidade

De acordo com os advogados Dr. Julio Cardoso e Dr. Eduardo Fontana, a Livre Iniciativa é também um dos Fundamentos do Estado Democrático de Direito (Art. 1º, IV da CRFB), e é imperioso preservar e estimular nossos empresários, que também sofrem para

Restrição de funcionamento dos mercados aos domingos no decreto 4942/2020 - ilegalidade

Desde o começo da pandemia, causada pelos efeitos deletérios à saúde atribuídos ao novo Coronavírus, começaram as relevantes discussões sobre quarentena, lockdown e medidas afins, dentro da proteção ao bem jurídico saúde pública, com vistas a evitar o avanço da contaminação. Ocorre que tais posturas acabam por impedir, e/ou dificultar sobremaneira as atividades dos particulares, gerando um evidente conflito de interesses, entre proteção à saúde x exercício de atividade econômica.

Nesse panorama, sem olvidar discussões sobre outros conflitos de direitos fundamentais (ir e vir, escolher, exercer crença religiosa...) teceremos alguns comentários sobre o fechamento dos mercados aos domingos, indicado no artigo 6° do Decreto 4942/2020 do Estado do Paraná.

Frisamos que não se trata de discussão de competência do Governo Estadual ou Municipal para impor restrições de forma a proteger a população em relação aos avanços da pandemia do COVID-19, tema já superado quando da decisão do STF na ADI 6341.

A afirmação se explica por razões de ordem prática, e nos restringiremos a duas: (i) se as modalidades remotas não fossem seguras, lanchonetes e restaurantes igualmente não poderiam funcionar; (ii) especialmente o consumidor de baixa renda seria severamente prejudicado, eis que é preponderantemente consumidor de mercados.

Em uma avaliação superficial, a saúde ?sempre? precederia qualquer outra razão em sentido oposto, contudo, a restrição aos mercados nos parece indevida, pois o mesmo decreto que proibiu o funcionamento dos mercados aos domingos, possibilitou o funcionamento de restaurantes e similares na forma de delivery, drive thru e take away (vide artigo 5°).

Como o fornecimento de alimentos fora permitido sem restrições (nos modelos indicados), é razoável concluir que o acesso a gêneros alimentícios (jamais poderia deixar de ser), é considerado essencial no Decreto paranaense. Visto isso, entendemos que, dentro das modalidades acima indicadas, os mercados e assemelhados (empórios, mercearias etc) detém o mesmo direito de funcionamento.

Desde o começo da pandemia, houve um avanço do comércio utilizando-se das plataformas digitais, os mercados e congêneres seguiram esta tendência, ou seja, há um preparo dos estabelecimentos para o delivery, em especial; não sendo razoável restringir esta modalidade de negócio para os mercados (artigo 6do Decreto Estadual 4942/2020) e permitir para os restaurantes (artigo 5do mesmo Decreto).

No aspecto social, sem grandes esforços é possível se comprovar a falha da restrição e o prejuízo à população em especial a parcela mais carente.

Considerando os índices de desemprego recentemente divulgados pelo IBGE e publicados pela Folha de São Paulo, a pandemia destruiu 7,8 milhões de postos de trabalho apenas até o mês de maio. Ainda que a pesquisa considere o cenário em nível Nacional, certo é que os efeitos são sentidos no âmbito do Estado, dificultando o acesso à renda e por consequência aos bens de consumo de primeira necessidade.

Ainda que o Governo Federal tenha envidado esforços para disponibilizar benefícios aos atingidos, os valores são ínfimos e a sua utilização se reserva aos bens considerados essenciais, tendo por vezes de escolher entre uns e outros, estando em primeiro da lista àqueles pertinentes a alimentação básica.

Neste cenário difícil, os mercados são o que há de mais democrático para acesso ao alimento, e atuam como vetor de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana (Fundamento da República Federativa do Brasil, positivado no artigo. 1º, III). Vale dizer, ainda que vetada a abertura de portas para compras, o atendimento em ambiente virtual não pode ser negado.

Como dissemos, não é possível sequer alegar conflito entre o Direito Constitucional à Livre Iniciativa e o Direito à Saúde para justificar o decreto, já que ao mesmo tempo em que libera algumas atividades no modelo delivery, restringe outras.

A eficácia da Livre Iniciativa se visualiza justamente quando, ao não restringir as atividades e permitir a livre concorrência, o ente público acaba por ofertar melhores condições de acesso à população em relação a bens e serviços, tornando reais outros direitos fundamentais, destacado o fato de que a Livre Iniciativa é também um dos Fundamentos do Estado Democrático de Direito (Art. 1º, IV da CRFB), e é imperioso preservar e estimular nossos empresários, que também sofrem para manter seus negócios, e ao fim são fonte de empregos, tributos e desenvolvimento social.

Sob nenhuma perspectiva válida é possível justificar a diferenciação dada pelo decreto 4942/2020 entre os mercados (supermercados e empórios) e restaurantes e lanchonetes, quer pela análise finalística do Decreto (proteção à saúde e minoração da propagação do vírus), quer por uma visão social (prejuízo direito ao mais pobre) ou ainda numa última análise sob a ótica da proteção à Livre Inciativa.

Assim, sendo flagrantemente ilegal, cabe ao Judiciário, devidamente provocado, afastar o vício, e assim harmonizar proteção à saúde com a proteção aos desfavorecidos, e ao direito de exercício profissional; ao mesmo tempo em que não retira do Decreto a sua eficácia inicial.

EDUARDO FONTANA
ADVOGADO. OAB-PR 71.280
eduardo@fontanaesegura.adv.br

JULIO CARDOSO
ADVOGADO. OAB-RS 62.998, SC 42.986, PR 50.698, SP 298.855
julio@csb.adv.br