26-08-2011
Um "selinho" foi considerado crime.  Cenário: uma praça de uma cidade pequena, um jovem de 18 anos e uma menina de 12 anos conversam e se despedem com um beijo na boca. O fato poderia passar desapercebido, e ser mais um namorico de adolescente, não fosse uma senhora flagrar a cena e interpretá-la como assédio, o que gerou uma denúncia à polícia. O resultado foi a prisão do jovem por 20 horas, enquadrado no crime de "estupro de vulnerável". A partir da interpretação de um juiz considerando o fato como "irrelevante" o rapaz foi solto e os dois agora terão que se haver com a convivência social na pequena cidade. O caso foi este e pode se encerrar aqui, porém suas consequências sócio-culturais poderão ser muito mais extensas do que pode parecer. Como a menina passará a ser vista pela comunidade? Como esse jovem passará a ser tratado pela família, amigos e autoridades? Sem maiores detalhes sobre o contexto, não nos cabe julgar, até porque as autoridade locais já o fizeram, mas essa a história levanta alguns aspectos que merecem reflexão.
Assistimos desapontados a antecipação da sexualidade, tanto de meninas quanto de meninos, desencadeada pelo processo de mercantilização da infância e estimulada pela voracidade do mercado. Crianças são vistas como consumidores especiais e exploradas como tais. Produtos de maquiagem, moda infantil, consumo desenfreado, tem roubado da infância aquilo que lhe é muito próprio e valioso: a espontaneidade e a ingenuidade. Essa imagem de "adultos em miniatura" travestidos de "todo poderoso" ou "toda poderosa", pode tirar-lhes o que mais precisam, a necessidade de serem protegidos.  Para este fato é preciso sim muita atenção.   
Por outro lado, a população deve estar atenta para proteger seus filhos e ajudar a proteger os filhos dos outros. Iniciativas nesta direção  vem sendo empreendidas pelo Estado como: constituir uma Rede de Proteção a crianças e adolescentes nos estados e municípios, integrando serviços das políticas públicas da saúde, educação, assistência social, segurança pública, justiça e de garantia dos direitos humanos; organizar comitês de enfrentamento ao abuso e exploração sexual; publicar seus planos nacional, estadual e municipal de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes; desenvolver campanhas educativas com a finalidade de elevar a consciência da sociedade e mais que isso buscar o compromisso de todas em defender nossas crianças de situações de abuso, negligência, abandono, maus tratos assim como se fala na constituição e o ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente. Todos esses esforços têm permitido avanços na política pública, bem como mobilizado setores da sociedade numa tarefa conjunta de proteção à infância e adolescência e devem seguir nesta caminhada imprescindível para um projeto societário da paz, do respeito e do cuidado.
Além de ações conjuntas nesta direção protetiva se faz necessário desenvolver um olhar de crença e esperança para com esta geração. Quando eles aparecem nos meios de comunicação muitas vezes são tratados como ameaça e ameaçadores. O risco que se corre é que passem a ser visto não pelo que fazem ou pelas "transgressões" ou "atos de rebeldia" que cometem ou parecem cometer, mas simplesmente pelo fato de existirem e estarem presente nestes cenários urbanos, que por sinal é lugar deles também, Castro Alves já dizia que a praça é do povo e jovens fazem parte dessa categoria.
Em função de fatos interpretados por uma lente "desesperançosa", "amedrontada", "assustada" como por exemplo brigas de colégio serem tratadas como caso de polícia, ausência da autoridade dos pais serem tratados como caso de polícia, é possível que nossa sociedade esteja desenvolvendo uma doença social que poderia ser chamada de  ‘LIBERDADEFOBIA". 
O medo não é um bom companheiro. Nem para os pais, nem para o estado e nem para as crianças. 
Pensando numa abordagem didática da educação para o convívio social reporto-me ao conceito desenvolvido no âmbito da justiça restaurativa da "janela da disciplina social", que trata da ação do Apoio e do Limite. Apoio, significa oferecer condições para desenvolver habilidades e capacidades, ou seja, dar continente para o potencial humano se desabrochar. O limite, significa o estabelecimento de regras, do que pode ou não pode, do que deve ou não deve, em outras palavras daquilo que deve ser seguido. Assim, muito apoio e nenhum limite geram inconseqüência e irresponsabilidade. Se houver muito limite e nenhum apoio tem-se revolta ou imobilidade. A melhor equação estaria expressa no equilíbrio entre o apoio e o limite que levará a construção da autonomia. Ora para o aprendizado das relações sociais se efetivar é preciso agir, errar, aprender, refazer, corrigir, assumir conseqüências, agir de novo, ou seja, é necessário liberdade-de-ação. Portanto, para educar é preciso compreender o exercício da liberdade como uma condição. 
Não será cercando os condomínios, levantando os muros das escolas, alojando a meninada nos shoppings, implantando toques de recolher, que esta geração aprenderá agir com liberdade e responsabilidade.  A liberdade ensina, leva a autonomia e a auto-proteção. Precisa ser um valor presente no relacionamento entre pais e filhos entre alunos e professores, enfim entre cidadãos. Não será com esta lente gasta do medo que nós adultos vamos trazer confiança e segurança para nossos filhos. Mais fé na moçada, eles não são por princípio do mal. Precisam de orientação, cuidado, aposta e confiança. 
Quem não deu seu primeiro beijo emocionado-atordoado na escola, na praça, no quintal, as vezes meio escondido, as vezes nem tanto. Com que idade? Poderia parecer um "pecado" mas estava longe de ser um "crime".  
Torço para que saibamos educar e proteger nossas crianças e que não deixemos a doença pegar. Abaixo a liberdadefobia!
* Thelma Alves de Oliveira é psicóloga e educadora física, foi Secretária de Estado da Criança e da Juventude do Paraná e hoje é Coordenadora Geral Pró-Sinase da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente ligada a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
 (thelma.oliveira@sdh.gov.br)
 
						  
                         
                             
                         
                             
                                 
                         
                             
     
     
                                             
                                             
                                             
                                             
                                             
                                            