A pandemia de Covid-19 prejudicou a realização de transplantes de órgãos em todo o país.
A pandemia de Covid-19 prejudicou a realização de transplantes de órgãos em todo o país. Seja pela queda no número de doadores efetivos, ou pela necessidade de proteger os pacientes transplantados - que possuem a saúde mais frágil, da própria contaminação pela doença e suas complicações -, hospitais e pacientes viram os números caírem.
Conforme divulgação da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, essa queda durante a pandemia fez a lista de espera para transplante renal, por exemplo, crescer em 2%, em 2021. Ainda, foi registrado um aumento de 70% no mesmo ano de ingressos à lista, que havia registrado queda de 31% em 2020. A mortalidade de pacientes que era de 6,6% saltou para 10,7%, o que representa um aumento de 62%, o que é considerado pela elevada mortalidade de pacientes que precisavam se expor ao realizar sessões de hemodiálise e acabavam contraindo o vírus.
Referência no Paraná e no Brasil, o Hospital do Rocio vê agora, após passado o auge da pandemia e com pacientes vacinados, uma recuperação nos números de transplantes realizados. Em sete anos de história, a instituição já realizou 1140 transplantes, devolvendo qualidade de vida aos seus pacientes, conforme conta a médica Dra Fabiola Pedron Peres da Costa, nefrologista responsável pelo serviço de Nefrologia e Transplante Renal do Hospital do Rocio.
“Infelizmente nós vivemos uma realidade difícil durante a pandemia, com a perda de muitos pacientes, seja pela Covid-19 ou por situações agravadas das doenças renais. Embora tivéssemos uma UTI sem Covid-19 durante a pandemia, não podíamos expor os pacientes ao risco, visto que a saúde fragilizada poderia desencadear complicações em caso de contaminação pelo vírus e levar a óbito. Além disso, tivemos uma queda de doadores efetivos, fator preponderante para realizar o transplante. Hoje, presenciamos um crescimento na possibilidade de realização destas cirurgias, que realmente salvam a vida dos pacientes.”
A Secretaria Estadual de Saúde divulgou, no mês de maio de 2022, dados referentes a este ano sobre transplantes de órgãos realizados. No tocante a doações efetivas por milhão de população, o Paraná teve esse ano uma taxa de 41,6, superior a 2020, quando foi de 41,5, por exemplo, sendo considerada uma das maiores do país. Em 2021, essa taxa foi de 36. Conforme dados oficiais, foram realizadas 501 notificações, 198 doações efetivas, 77 recusas familiares, 158 pacientes tiveram contra indicação clínica para doação, 18 não tiveram morte encefálica confirmada e 22 casos de paradas cardiorrespiratórias (PCR).
“Esses dados consideram casos de morte encefálica diagnosticado pela equipe médica, ou seja, doadores falecidos. Há um grande trabalho envolvido, são muitas pessoas neste processo, desde a avaliação de um doador em potencial, captação do órgão, análises de compatibilidade, procedimentos cirúrgicos, recuperação deste paciente transplantado. Para se ter ideia, envolve desde a profissional da limpeza, que precisa realizar a higienização do leito de maneira especial, até as nutricionistas, fisioterapeutas, técnicos, auxiliares e enfermeiros, equipe médica. Enfim, um extenso trabalho para salvar essa vida”, ressalta.
A morte encefálica
Embora existam casos de transplante entre doadores vivos – desde que comprovado grau de parentesco até a 4ª geração ou proximidade entre doador e receptor de maneira muito clara – hoje a maioria dos transplantes acontece de doadores falecidos.
“Esse é o primeiro passo e que envolve uma equipe especializada na abordagem, que é feita sempre de maneira respeitosa e o mais elucidativa possível. É preciso bastante tato para explicar às famílias que os casos são irreversíveis, que o seu ente querido faleceu. Também é deixado bem claro que os doadores são deixados em perfeito estado para a cerimônia do velório, por exemplo, o que é um medo frequente. Que fique registrado o tamanho do respeito que temos por estes doadores e familiares. Os tratamos com todo o profissionalismo e carinho possível durante o procedimento. E mesmo as famílias que recusam a doação são muito respeitadas”, completa.
Dra Fabíola ressalta a importância de comunicar à família ou pessoas próximas sobre o desejo de se tornar um doador de órgãos ainda em vida, pois nestas situações somente eles poderão decidir sobre a doação ou não. Não há hoje nenhum documento que assinado em vida permita a doação.
Doação em vida
A Folha conversou com Enoque dos Santos, que recebeu da sua irmã a possibilidade de ter uma chance de nova vida. “Meu transplante aconteceu dia 13 de julho de 1991. São 31 anos com um pedacinho da minha irmã vivendo em mim, que me dá a chance de ter a vida que tenho hoje. Minha doença renal foi diagnosticada quando eu tinha 03 anos e morava na cidade de Umuarama, no Paraná. Meu tratamento só podia ser feito em Curitiba e até os 17 anos consegui levar somente com remédios. Após isso, precisei fazer hemodiálise e o transplante.”
Enoque conta que sua irmã, Ilda dos Santos, era compatível e se dispôs a doar. O primeiro ano ele descreve como o mais difícil, mas levando o tratamento a sério, conseguiu se recuperar. Hoje ainda toma remédios imunossupressores, para evitar a rejeição do órgão. “Minha família se mudou para Rondônia, mas eu continuo em Campo Largo, assim como a minha irmã. Somos muito unidos e serei eternamente grato pelo ato dela, que me permite ter uma vida longa, normal e feliz. Eu sou pastor, trabalho normalmente hoje”, finaliza.