Mais um episódio marca o processo judicial que envolve moradores remanescentes do Razera – cerca de dez famílias – e a Prefeitura de Campo Largo
Mais um episódio marca o processo judicial que envolve moradores remanescentes do Razera – cerca de dez famílias – e a Prefeitura de Campo Largo. Grande parte das famílias foram alocadas nos Residenciais I e II, localizados no bairro Saad ainda em 2020.
Conforme explica Dra. Sahyne Karan, advogada dos moradores, no mérito do processo, emitido em 08 de julho de 2022, de uma decisão feita para o caso de uma moradora, mas que dá entendimento aos demais processos relacionados à notificação de reintegração de posse enviada no final do ano passado, o desembargador Rogério Ribas escreve, considerando o Acordo assinado em 2017, entre Prefeitura, Ministério Público e a advogada dos moradores, Dra. Sahyne Karan, e todo o processo, “Acordam os Desembargarores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em conhecer e dar provimento ao recurso, reformando-se a decisão agravada a fim de indeferir o pedido liminar de reintegração de posse consoante o voto do Relator”. A Prefeitura poderá recorrer da decisão.
Entenda a história
Para entender o processo é necessário voltar no tempo. A área onde atualmente é o Razera foi doada por uma família ao Município há 40 anos e famílias começaram a construir casas – tanto casebres, como casas boas, em alvenaria, mas nunca houve uma regularização por parte do município, conforme explica Dra. Sahyne. “Foi em 2017 que um promotor começou a verificar que essa situação estava pendente. Ele entrou com uma ação de reintegração de posse (Auto nº 5467-2.2016.8.16.0026) e entregou para os moradores uma cópia da liminar. Foi quando uma mulher que eu atendia na época e mora na região contou sobre essa situação e começamos a trabalhar neste caso”, relembra.
Dra. Sahyne conta que procurou então o Ministério Público e levou a realidade do local, abordando que havia pessoas doentes e acamadas, crianças pequenas, entre outros, que não teriam para onde ir. Foi feito então um Acordo, onde a advogada procurou a Prefeitura para solucionar a situação e no prazo de dois anos seria construído um local para realocar essas famílias.
Neste documento, entre todas as cláusulas há um compromisso de regularização da área de invasão – com prazo de 20 meses -, seguido do compromisso de “providências administrativas cabíveis para fazer cessar a invasão da área de preservação permanente situada nas imediações do loteamento Jardim Itália, neste Município, tais como a colocação de placas indicando a irregularidade da área, adoção de medidas administrativas dentro de seu poder de polícia para retirar invasores no curso do cumprimento do presente acordo, etc”, o que segundo a advogada não foi cumprido, bem como “realizará a completa desocupação da área, dando encaminhamento das famílias retiradas da área, por meio de sua Secretaria Municipal de Assistência Social, por meio de ferramentas disponíveis”, o que conforme a advogada enquadra todos os moradores, sem exclusão por faixa salarial, por exemplo.
No documento, assinado em 30 de março de 2017, constam os nomes do prefeito Marcelo Fabiani Puppi – à época, da advogada dos moradores, Dra. Sahyne Karan, do procurador-geral do Município, Dr. Rafael Rogiski, do procurador do Município, Dr. Bruno Oliveira de Souza Kryminice e o promotor de Justiça, Dr. Hugo Evo Magro Corrêa Urbano.
Após a assinatura, o espaço onde foram construídos os residenciais Campo Largo I e II foi apresentado aos moradores pelo prefeito da época como o local de realocação e de fato foi construído no tempo estipulado. Ao serem concluídas, no entanto, a
Dra. Sahyne explica que houve famílias que viviam há anos naquela região e participavam do processo, que não foram transferidas para o residencial por conta de orçamento familiar e ainda vivem na região. “No Acordo está claro que essas pessoas têm direto, independente da sua renda e ainda assim foram desconsideradas por uma diferença irrisória no que era permitido e a realidade deles. Atualmente, cerca de dez famílias ainda vivem no Razera por conta disso e aguardam uma resolução para essa situação”, pontua.
Porém, na primeira semana de dezembro de 2020 – entre os dias 07 e 08 – os moradores remanescentes receberam uma notificação extrajudicial com a ordem de desocupação do imóvel, no documento classificado como irregular, “no prazo, improrrogável, de 30 (trinta) dias, contados da ciência desta notificação”. A notificação citava o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), processo Nº 0005467-02201.816.0026 e o processo administrativo 32032/2020, colocando o município como, além de notificante, o proprietário da área ocupada, tendo o direito de usá-la e reavê-la “de quem quer que seja”.
Na matéria publicadas em 23 de dezembro de 2020 pela Folha de Campo Largo, Dra Sahyne explicou que os moradores remanescentes “são posseiros legais da localidade conhecida como Razera/Jardim Itália por pura outorga política, que aconteceu há mais de 40 anos, quando da doação da área pela família Razeira” e que as famílias “que viviam nesta região à época e permanecem lá ainda hoje têm a realocação garantida pelo município, independente da renda familiar, sob penalidade de execução da TAC”.
A notificação de 2020 foi retirada, por ser considerada “inválida”, diz Dra. Sahyne, visto o Acordo pré-existente, porém, outro documento com conteúdo semelhante foi expedido novamente pela Prefeitura ainda em 2021. Neste caso há situações que chamaram a atenção da advogada.
“Entre os casos dos meus clientes tenho situações que me chamam atenção. Há assinaturas que não condizem com nome ou letra destes moradores. Descobrimos então que este é um estatutário da Prefeitura. Eles nunca se negaram a participar de quaisquer programas, como foi citado pela Prefeitura, não há comprovação. O juiz concedeu a liminar que intimava a moradora e foi entregue para ela em 20 de dezembro de 2021. Eu agravei, fiz o documento bastante detalhado, no mesmo dia, e demonstrei tudo, antes de entrar no recesso de final de ano”, relembra.
Com a Covid-19, Dra Shayne explica que todas as possessórias estavam suspensas, pois a ordem era ficar em casa para evitar o contágio e disseminação do vírus. “Tentaram justificar como esbulho, porém essa definição se aplica a pessoas que estão alocadas por um ano e um dia, mas esses moradores estão lá há 40 anos. Além disso, na notificação havia a informação de uma multa de R$ 1 mil por dia de descumprimento. O agravo teve então efeito suspensivo em 12 de janeiro de 2022”, comenta.
Ela explica então que o desembargador aprecia e o processo continua. Quando há o mérito, o processo é analisado em seu todo. “Nós conseguimos por meio dessa análise confirmar a liminar, então essas pessoas continuarão lá, até a hora que o Acordo for cumprido em sua totalidade”, intera.
No Mérito do processo, o Desembargador Rogério Ribas escreve que “até o presente momento, a ocupação da agravante se justifica, afinal o Município de Campo Largo não demonstrou o cumprimento do acordo (realocação das famílias) e a situação se arrasta por anos, desde a celebração do acordo em 2017, não se podendo afirmar pela ocupação em menos de um ano e um dia (esbulho recente) para se autorizar a concessão da liminar. Isto posto, voto para conhecer e dar provimento ao recurso, reformando-se a decisão agravada a fim de indeferir o pedido liminar de reintegração de posse, nos termos da fundamentação”. O agravo de instrumento finaliza trazendo “Acordam os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná em conhecer e dar provimento ao recurso, reformando-se a decisão agravada a fim de indeferir o pedido liminar de reintegração de posse consoante o voto do Relator”.
Prefeitura
Na próxima semana, a Folha de Campo Largo trará uma entrevista completa com os responsáveis pelo processo por parte da Prefeitura, explanando o outro lado também desta situação.