Antonio Tavares morreu em confronto com a Polícia Militar do Paraná, em Campo Largo. Defesa da família recorreu à Corte em 2004, após processo sobre a morte Tavares ser encerrado na Justiça nacio
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) inicia nesta segunda-feira (27), em San José, Costa Rica, julgamento no qual o Estado brasileiro é acusado de omissão na morte do integrante do Movimento Sem-Terra (MST) Antonio Tavares Pereira.
Tavares foi morto em maio de 2000 em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, após confronto com a Polícia Militar na BR-277.
O confronto deixou mais de 100 pessoas feridas, entre integrantes do movimento e policiais. Veja detalhes mais abaixo.
Os representantes de Tavares e de outros feridos na ação pedem à Corte que o Estado brasileiro adote “medidas de justiça, reparação, memória e não repetição” frente ao caso. Solicitam, também, a destinação de terras públicas para a realização da reforma agrária.
No Brasil, houve duas investigações sobre a morte de Tavares – uma na Justiça Militar e outra que tramitou na Vara Criminal de Campo Largo. Ambas foram arquivadas.
Como funciona o julgamento
O julgamento do Brasil no tribunal internacional, que é vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), se inicia mais de 22 anos após a morte de Tavares. Na época, ele e a família moravam em um assentamento rural de Candói, na região central do estado. Tavares deixou esposa e cinco filhos.
Antes de chegar à corte, o caso aguardou deliberação, de 2004 a 2021, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), responsável por analisar denúncias apresentadas para encaminhamento, ou não, à instância superior.
A análise começa nesta segunda, a partir das 17h30 pelo horário de Brasília, com a realização de uma audiência pública. O rito continua na terça (28), a partir das 11h.
De acordo com as assessoras jurídicas Camila Gomes e Luciana Pivato, da organização Terra de Direitos, o procedimento na Costa Rica contará com a participação da viúva de Antonio Tavares, e de uma da vítima da ação da polícia que se feriu na ação. Ambas serão ouvidas.
“No Brasil não cabe mais nenhum tipo de recurso judicial, teve sua tramitação paralisada. E isso é critério para que um caso possa ser submetido à Corte Interamericana. Somente é possível fazer uma denúncia para um tribunal internacional depois de terem esgotado todas as possibilidades junto ao sistema de justiça nacional”, detalhou Camila.
Nos dois dias, a Corte também ouvirá as organizações autoras da ação, peritos e o próprio Estado brasileiro, com acesso às provas juntadas durante a tramitação do caso na justiça nacional.
Procurado pela reportagem, o Governo do Estado do Paraná afirmou que a convite da União enviou uma delegação para participar das audiências públicas, junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Na mesma linha, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Itamaraty mencionaram a comitiva brasileira e citaram que após as audiências, haverá prazo para alegações finais escritas e, em seguida, a sentença.
O g1 pediu uma posição da Polícia Militar sobre o caso, mas não teve resposta até a publicação ir ao ar.
Trâmite
Após as audiências, segundo Camila e Luciana, existem prazos protocolares e manifestações internas da Corte a serem cumpridas.
Em seguida, o processo avança para etapa final, quando o tribunal se reunirá para deliberar o caso e emitir a sentença. Não há data para isso acontecer.
A previsão da organização Terra de Direitos é que isso ocorra até 2023.
Possibilidades de condenação
O Brasil integra a Convenção Americana desde 1992. Em 1998, o país reconheceu a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre todos os casos que digam respeito à interpretação e à aplicação da convenção.
“Desta forma, não há uma opção sobre cumprir ou não cumprir uma futura decisão que será proferida pela Corte. E a obrigação de dar cumprimento às obrigações contraídas perante a comunidade internacional decorre do princípio mais basilar que rege o direito internacional, que é o famoso Pacto San Servanda, que quer dizer, simplesmente, que os pactos firmados devem ser cumpridos”, explicou Camila.
Segundo o Terra de Direitos, em caso de condenação pelo tribunal, as possibilidades são variadas.
Em 2021, o mesmo tribunal julgou um caso de violação de direitos humanos registrado na Paraíba, em 1998. Na condenação ficou determinado o pagamento de dano moral e material à família de uma mulher vítima de feminicídio.
Na visão de Camila Gomes, condenações como estas revelam a incapacidade de nações na proteção de direitos humanos perante a comunidade internacional.
“Revela também a incapacidade do país de, no caso de haver violação aos direitos, promover a sua apuração e a sua responsabilização, que também é uma obrigação decorrente do Pacto de São José da Costa Rica [...] Então, quando há uma condenação internacional, fica evidente que o país não conseguiu proteger os direitos humanos dentro do seu próprio território e isso é muito grave. Isso é visto com muito maus olhos perante a comunidade internacional”, reforçou Camila.
O caso
Antonio Tavares tinha 38 anos quando morreu no conflito entre membros do MST e a PM-PR, em 2 de maio. Ele era coordenador de um assentamento.
Tudo aconteceu quando a polícia impediu a passagem de ônibus dos manifestantes na BR-277. Na época, eles se dirigiam para Curitiba e participariam de uma manifestação em defesa da reforma agrária.
Imagens da época mostram o confronto entre os manifestantes e os policiais. Os dois lados tiveram diversos feridos. Na época, o MST disse que mais de 100 integrantes do grupo se feriram.
2 de 2 Conflito aconteceu quando movimento sem terra tentava chegar a Curitiba para manifestação
Tavares foi encontrado na BR-277 e levado a um hospital, onde foi constatada a morte. Um dia depois, ele foi reconhecido pela família no Instituto Médico-Legal (IML).
Investigação no Brasil
Camila Gomes e Luciana Pivato lembraram que, a partir da morte, duas ações paralelas de investigação foram iniciadas: um inquérito na Justiça Militar e um na Polícia Civil. Um dos objetivos era constatar quem atirou contra o sem-terra.
Segundo Luciana, o inquérito militar foi arquivado em outubro do mesmo ano, pelo juiz auditor, sob a alegação de que não existia base para oferecimento de denúncia contra um soldado que era investigado.
Paralelo a isso, ainda estava em curso o inquérito da Civil, que ao ser concluído, serviu de base para oferecimento de denúncia pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), em 2002, contra o PM. Uma ação foi instaurada na Vara Criminal de Campo Largo, porém, foi trancada e arquivada no ano seguinte, em 2003.
“Como a decisão da Justiça Militar foi tomada antes da comum, o soldado que estava sendo processado como autor do disparo ingressou um habeas corpus no Tribunal de Justiça e requereu o trancamento da ação penal, pelo fato ter sido anteriormente apreciado por um juiz militar”.
Com as alternativas de recurso esgotadas no Brasil, em 2004, o caso foi encaminhado a CIHD para avaliação de envio, ou não, à corte internacional, o que só foi efetivado em 2021.