Situação de animais abandonados ou pertencentes a famílias de baixa renda torna-se cada dia mais grave
Infelizmente, dia após dia, o número de animais abandonados aumenta. Ainda que a adoção de animais tenha aumentado 30% durante a pandemia, conforme divulgado pela Revista Exame, a Ampara Animal, ONG parceira da Cobasi, diz que o índice de abandono e de recolhimento de animais aumentou, em média, 61% entre julho de 2020 até o terceiro trimestre de 2021.
A Folha de Campo Largo conversou com duas protetoras independentes, que atuam em regiões distintas na cidade, e que comprovaram que de fato o abandono tem sido maior e a adoção está em queda na cidade. Diariamente, elas acabam se deparando com situações de maus tratos aos animais ou que os colocam em perigo, podendo causar inclusive acidentes aos humanos.
Silvia Ferraz vê como uma missão o cuidado com os animais. Dedicada à causa há aproximadamente 25 anos, ela hoje tem 36 animais em sua casa, todos recuperados, mas estima que pelas suas mãos já passaram mais de 700 animais resgatados. “Atuo hoje na região do Bom Jesus, que é o local onde eu moro. Mas percebo que no Francisco Gorski, Centro, Ouro Verde e próximo da Germer há muito abandono de animais, principalmente filhotes ou fêmeas prenhas. Isso aconteceu muito na pandemia, quando as pessoas perderam seus empregos, preço da ração subiu muito e dos tratamentos veterinários também, então muita gente resolveu abandonar, descartar os animais de sua vida, o que é um crime.”
De maneira parecida, Néia Santos, que vive do outro lado da cidade, na região da Ferraria, também percebe essa situação. “Essa é uma região com quase 35 mil habitantes, onde é normal as famílias terem até seis animais. Como eles não são castrados, acabam se reproduzindo muito rapidamente. Tem lugares aqui na região que os cães tomaram conta da rua, é difícil até mesmo acessá-la, pois eles avançam nas pessoas.
Muitos tutores optam pelo abandono dos animais, pois não têm condições de cuidar ou alimentar, deixando principalmente fêmeas prenhas, filhotes e animais idosos em situação de abandono.”
Porém, Néia revela que a situação é mais complexa quando se fala em castração. “Na região da Ferraria nós temos um programa de castração, eu mesma já inscrevi muitos animais e os levei para castrar, tanto os que pertencem às famílias da região, como os de rua. Porém, isso demanda cuidado no pós-cirurgico e muitos não estão dispostos a dar a atenção necessária ao animal. Então, por várias vezes eu precisei ir buscar, levar na clínica, trazer o animal para casa, para que a castração acontecesse”, conta.
Ela diz ainda que, como somente uma clínica está habilitada a fazer o serviço pela Prefeitura, a demora para conseguir o procedimento existe, visto a limitação diária de atendimento. “Acredito que deveriam ter mais lugares para castrar os animais. Hoje corremos o risco de colocar uma fêmea na fila para a castração e quando chegar a vez dela, ela estar impossibilitada de realizar o procedimento por já estar prenha”, considera.
Néia atualmente tem 54 animais abrigados em sua casa, todos de porte grande, que demandam um saco de ração por dia de 20 kg, que custa cerca de R$ 115. Assim como Silvia, que também precisa alimentar os seus animais acolhidos, contam com ajuda de pessoas que se solidarizam com a causa e acabam doando ração ou valores em dinheiro para que possam comprar.
Mas não é só de ração que os animais acabam precisando. “Nós, como protetoras independentes, gastamos muito com atendimento veterinário de emergência, água – para manter o ambiente limpo -, energia e nós nos desgastamos. Muitas pessoas não entendem, mas é um amor muito grande o que sentimos pelos animais, é uma missão de vida, um sentimento que nos impede de dizer não a um ser inocente e que precisa de nós. Eu vejo por mim, às vezes eu falo para mim mesma ‘Silvia, chega, você já tem muitos animais, não dá para acolher mais’, mas quando vejo o quão frágil ou debilitado ele está, não consigo dizer não. Acho que é Deus me mostrando que devo continuar, me sinto tão bem quando consigo ajudar um animal de rua”, diz Silvia.
Idosos e os animais
“Eles são a família destes idosos. Quem está do lado deles para qualquer momento, mesmo na extrema dificuldade”, comenta Néia Santos. Durante a entrevista, ela relatou que na Ferraria há idosos com muitos animais em casa, beirando situações críticas, tanto para a saúde deles, como dos animais, e que a saída é buscar meios para ajudar. “Nós visitamos um senhor que está na casa dos 80 anos e que possui 40 cães. A situação era muito delicada, isso há um ano aproximadamente, quando tivemos que internar alguns animais que estavam em estado severo de desnutrição. Chegamos ao ponto de saber que havia cães matando um ao outro para se alimentar. Nós castramos as fêmeas e auxiliamos da maneira que podemos”, conta.
Essa não é a única situação. Ela conta ainda sobre uma senhora, de aproximadamente 90 anos, que possui em sua casa vários cães, gatos, galinhas e outros animais. No ano passado ela acabou sendo assaltada em sua própria casa e apanhou dos bandidos. Embora muitos saibam das condições difíceis em que vive esta senhora, ainda assim abandonam animais, às vezes ninhadas de filhotes, em frente da casa dela, que também necessita do atendimento das protetoras.
Outro caso e um dos que mais impressiona, é o do senhor Luiz, que vive em condições precárias, não possui documentação e aposentadoria, e conta com a ajuda da comunidade. Ele é dono de nove cachorros, e eles moram em um quarto reformado pela comunidade, sem banheiro ou cozinha. No inverno do ano passado, o dono do terreno que permitiu a instalação do senhor Luiz no local, decidiu ir vê-lo em uma noite de inverno, quando se deparou com a cena dos cães dormindo em cima dele, para aquecê-lo, visto que ele não tinha coberta.
“Essas são apenas algumas das situações difíceis que nós nos deparamos. São pessoas que têm muitas dificuldades de vida mas não deixam de cuidar dos animais e os animais retribuem este amor da maneira que podem. Por isso, precisamos de atenção e medidas públicas, tanto que auxiliem estes donos, como também estes animais, com ração e tratamento veterinário voltado à castração, mas de maneira mais rápida, com mais clínicas cadastradas e aptas a fazer o procedimento”, enfatiza Néia.
Adoções
Embora os animais estejam disponíveis para adoção, poucos vão para um lar definitivo. Conforme relato de ambas, as adoções são extremamente raras, inclusive com devolução de alguns animais que haviam sido adotados. A maioria das pessoas querem cães de raça ou com aparência de raça que foram abandonados, principalmente de tamanho pequeno. “Eles pedem cães peludinhos, mas quando estão na rua, esses animais acabam sofrendo muito com pelagem comprida e sem o devido cuidado. Nós temos que tosar, cuidar dele, para que a sua aparência volte. A maioria dos animais são maiores, mais velhos e alguns estão doentes, então, infelizmente, é quase impossível conseguir um lar”, diz Silvia.
Solução
Elas concluem que há uma necessidade de disponibilizar atendimento aos animais de rua, pois enxergam como um dever do poder público garantir esse serviço, com ênfase nas castrações. Também pedem para que o banco de rações – lei aprovada há dois anos – comece a funcionar, voltando o atendimento às famílias de baixa renda e protetores de animais, visto os altos custos diários com alimentação animal. Silvia acrescenta que a cidade deveria ter um local para acolhimento de animais juntamente com um projeto de adoção consciente.
A Folha procurou a Prefeitura de Campo Largo sobre as questões levantadas pelas protetoras e o programa de castração que está sendo realizado, mas não recebeu a resposta até o fechamento desta edição.