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Política

Diplomacia

01/04/2012

País visitado por Dilma, apesar da distância cultural, enfrenta desafios políticos similares aos do Brasil

Diplomacia

01/04/2012  Fonte: Gazeta do povo

Problemas na coalizão que comanda o governo, denúncias de corrupção, escândalos na organização de um grande evento esportivo. Essas seriam algumas das notícias ao alcance da presidente Dilma Rousseff na semana passada – isso se ela lesse hindi. Comuns no Brasil, os assuntos também são destaque da agenda política da maior democracia do mundo, a Índia.

Quase incomparáveis sob a ótica cultural e histórica, brasileiros e indianos parecem gêmeos na dificuldade em lidar com a ética dos políticos. Na sexta-feira, enquanto discursava em Nova Délhi sobre a aproximação comercial entre os dois países, algo que definiu como um “caminho das Índias do século 21”, Dilma poderia ter trocado várias ideias sobre gestão de crise com aliados no Congresso com o primeiro-ministro Manmohan Singh.

No cargo desde 2004, Singh é membro da legenda mais tradicional da Índia, o Partido do Congresso (PC), ligado à dinastia Gandhi. Como não conseguiu formar maioria no Lok Sabha (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira) nas duas últimas eleições, a legenda formou um grande arco de alianças, que atraiu outras 19 siglas. A estratégia é comum em sistemas parlamentaristas como o indiano, mas causa tantos transtornos quanto o presidencialismo de coalizão adotado no Brasil.

Na última eleição, em 2009, a aliança encabeçada pelo PC ficou a dez cadeiras de conseguir a maioria absoluta. Quase “travou”, porém, quando começaram as disputas entre parceiros por espaços no primeiro escalão. A solução foi lotear o ministério com outros seis partidos.

A prática indiana remete aos casos de barganha política no Brasil. Por exemplo: o governo Dilma tem o apoio, em maior ou menor grau, de 19 legendas com representação na Câmara. E, para tentar selar uma tênue paz no Congresso, cedeu vagas na Esplanada para sete partidos, além do PT.

No campo dos escândalos, enquanto Dilma conviveu com crises que levaram a demissões de sete ministros ao longo de 2011, Singh teve de lidar em 2009 com um megaescândalo ligado à concessão de licenças de exploração de telefonia celular que envolveu desvios de aproximadamente R$ 10 bilhões. O episódio, listado pela americana Time entre os dez maiores casos de abuso de poder de todos os tempos, levou à prisão do ex-ministro das Telecomunicações, Andimuthu Raja.

Em 2010, um novo escândalo pairou sob a organização dos Jogos da Comunidade Britânica. Um dia após o encerramento do evento, o governo instalou uma comissão para apurar possíveis irregularidades no uso de recursos públicos. O caso não foi encerrado e ainda gera polêmica.

Similaridades

“Os percursos democráticos de Brasil e Índia são muito diferentes, mas você olha no retrato e vê uma série de similaridades”, analisa Alberto Pfeifer, do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo. Já o pesquisador de corrupção e transparência Fabiano Angélico, da Fundação Getulio Vargas, diz que as duas nações ainda pagam o preço de serem democracias recentes. “São países em um processo de aprimoramento e consolidação de suas instituições.”

Esse caminho, pelo menos por enquanto, ainda parece longo e sinuoso. Dois dos principais rankings que abordam o desenvolvimento democrático no mundo colocam ambos em situações mediocremente parecidas. Segundo o Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional de 2011, a Índia ocupa o 95.º lugar entre 182 países, enquanto o Brasil fica em 73.º.

Já o Índice de Democracia de 2011 produzido pela revista britânica Economist, que cruza dados como participação política, liberdades civis e funcionamento do governo, coloca a Índia em 39.º lugar entre 167 países. O Brasil fica atrás, em 45.º. “Apesar das diferenças, a Índia ainda tem muitas coisas para nos ensinar. Ignorá-la, como fizemos até agora, é um cochilo da nossa diplomacia”, diz o professor Argemiro Procópio, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.