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Seresta de Reis contempla a fé e a música há mais de 100 anos

Há 116 anos a Seresta de Reis encerra as festividades de Natal. Única no Paraná e no Brasil conduzida neste modelo, de grande importância cultural, a tradicional celebração une a fé e a música,

Seresta de Reis contempla a fé e a música há mais de 100 anos

Há 116 anos a Seresta de Reis encerra as festividades de Natal. Única no Paraná e no Brasil conduzida neste modelo, de grande importância cultural, a tradicional celebração une a fé e a música, e tem uma história que atravessa gerações e famílias campo-larguenses. A Seresta de Reis de Campo Largo tem tal importância que foi reconhecida por meio da Lei Municipal nº 2664, de 13 de março de 2015, como a última festividade natalina na cidade.

Atual coordenadora da Seresta de Reis, musicista e cantora lírica, Kátia Santos conversou com a Folha de Campo Largo que contou como tudo começou. Kátia realizou um importante trabalho de pesquisas de aprofundamento para o seu mestrado, onde foi possível compreender e registrar a história deste movimento.

“A Seresta remonta ao início do século XX, por volta de 1906. Participantes mais antigos, que já faleceram, acreditavam que a Seresta poderia ter sido realizada ainda antes deste ano, mas com alguns relatos chegamos a esta média. É um evento popular, com repertório que é repetido anualmente, mas que aos poucos vai agregando novas canções conforme o gosto dos músicos. Era composto de violonistas, mas perto do ano de início também tinham violinos.”

O Hino dos Santos Reis foi trazido por Álvaro Nascimento, juntamente com a prática da serenata, da cidade de Paranaguá. Além do Hino dos Santos Reis, também é cantada a canção Glória e Noite Feliz desde as suas primeiras manifestações até hoje. O primeiro coordenador da Seresta foi o Mestre Amaro.

Kátia relembra que à época existiam apenas duas bandas instrumentais na cidade e o Mestre Amaro participava de uma delas. Em festas de padroeira, por exemplo, ambas participavam. Quando uma parava de tocar, a outra assumia e ficavam revezando a participação nas festas, onde cada uma tinha de 12 a 15 integrantes.

“Inicialmente, a Seresta de Reis contava com músicos que integravam essas bandas. Alguns anos depois, o grupo passou a ser coordenado pelo Maestro João Ferreira Kuster. Importante frisar que o trabalho era realizado com a união das famílias Kuster e Puppi, que tinham muita fé nos Santos Reis”, completa.

 

Os primeiros ensaios

Os primeiros ensaios aconteciam no espaço que era chamado de Câmara Velha. “Era a casa em frente à Biblioteca Pública, que na época era Prefeitura. O prédio em si já foi demolido. Os ensaios aconteciam várias vezes antes do Dia dos Santos Reis. Hoje, eles se encontram horas antes para o ensaio, na Sede da Paróquia”, retrata.

Outro local de ensaio foi na casa da dona Zumira Kuster, mãe de João Kuster, ainda na década de 1930, ano que se estima que o maestro assumiu a coordenação do evento. Neste local o ensaio se estendeu até 1970.

O terceiro local de ensaio da Seresta foi na residência de Clementino Puppi e Maria Kuster, por volta de 1970 até 1985. Após 1985 os ensaios passaram a acontecer na Livraria Santos Reis, no Centro, até o início de 1990. Em 1994 os ensaios passaram a acontecer na Sede Paroquial.

 

O trajeto e data

Kátia destaca que o padre responsável pela Igreja Matriz sempre dá a bênção e proclama algumas palavras antes dos ensaios. É tudo muito espiritual, onde eles também realizam orações, dedicando a Deus todo o trabalho. A Seresta começa sempre após 12 badaladas do sino, com acorde de Dó Maior, quando começam a cantar.

Antes da pandemia de Covid-19, a Seresta era iniciada sempre na Igreja Nossa Senhora da Piedade. “No início eles cantavam nos quatro cantos da praça. Seu Domingos Puppi recebia na casa dele os músicos da Seresta, que ficavam cantando na madrugada”, conta Kátia.

Anos mais tarde foi incluída a casa das irmãs do Sagrada Família. Para época, com as condições da estrada, iluminação e sem a Praça João Antônio da Costa, não era possível ir “longe”. Iam em casas de famílias também.

O dia também foi alterado, transferido o dia de comemoração da visita dos Santos Reis, dia 06 de janeiro, para o primeiro final de semana do Ano Novo.

 

Primeira mulher cantora na Seresta

No início da Seresta de Reis o grupo era formado unicamente por homens instrumentistas, com poucos cantores. A primeira mulher a participar deste evento foi Arlete Júlio Portugal, ainda na década de 1940. Conforme pesquisa feita por Kátia, “o que diferenciava Arlete, era o modo profissional como interpretava as canções, conforme o modelo das cantoras de rádio”.

O texto de pesquisa traz ainda que tanto Arlete como seu irmão Hamilton Júlio eram protagonistas dos momentos em que as serestas eram realizadas entre os casarões.

“Foi a voz de Arlete, impostada com expressividade, que se tomou o exemplo para as mulheres da comunidade. Sua figura feminina e o seu modelo de cantora corroboraram para o seguimento de outras mulheres dentro da manifestação musical”, apresenta o texto.

É importante frisar que na década de 1940 existiam os casarões no Centro e muitas famílias se punham a cantar diretamente de suas sacadas. “Isso acontecia geralmente ao apagar das fracas luzes dos postes na cidade, devido a ventos mais fortes, especialmente oriundos de chuvas de verão. (...) as moças daquela época não se expunham ao cantar serenata, uma vez que toda a família se envolvia na prática que passou a ser habitual”, revela o texto.

Trio Irmãos Santos

Antes de 1978, o músico Jorginho e pai de Kátia, pertencente ao trio Irmãos Santos, era reconhecido como o “braço direito” do Maestro Kuster. Os irmãos participaram e marcaram a Seresta de Reis da cidade. Após a morte do Maestro Kuster, Jorginho assume a coordenação musical. Somente na década de 1990, Jorginho assumiu a direção geral da Seresta.

“Era um músico, seresteiro e cantor de muitos casamentos, que fazia gratuitamente. Ele sempre nos incentivou à música, fez com que nós estivéssemos envolvidas na Seresta, não somente no dia, mas durante o ano todo”, relembra.

Jorginho seguiu na coordenação até o ano de 2010, quando faleceu em decorrência de um câncer.

 

Primeira mulher na coordenação

Kátia e a irmã dela tocavam cavaquinho e o pai, Jorginho, violão. “No primeiro ano após a morte do meu pai, eu ainda não consegui tocar violão, então a Seresta foi feita só com cavaquinhos”, relembrando que assumiu em 2010.

“Meus sobrinhos, que conhecem as músicas da Seresta de Reis participam, assim como amigos deles. É uma busca pela continuidade desta tradição. Conseguimos com apoio da Prefeitura a ampliação para as vozes, iluminação e publicidade sobre o evento, o que fez com que aumentasse o número de público. Nestes últimos dois anos, por conta da Covid-19, a Seresta foi transmitida via lives.”

A divulgação do evento acontece sempre nas missas, jornais, rádios. Para 2023 é preciso aguardar para verificar a possibilidade da realização. Interessados podem entrar em contato com a Kátia pelo telefone (41) 99600-4952 ou pelo Facebook Seresta de Reis Campo Largo,“vamos a Belém, e que não fique ninguém”, finaliza Kátia.