Mesmo com dificuldades de todos os tipos desde a infância, Janete superou os erros, aprendeu a perdoar e hoje tem seu próprio salão
Cheguei no salão na hora marcada, mas sempre fui a cliente que apenas chegava, esperava alguns minutinhos e era atendida: assim, sem marcar. Janete Ferreira da Silva, 50, faz minha sobrancelha há alguns anos e, até hoje, não a vi sem um sorriso no rosto. E, claro, isso deveria ser o comum quando se trata de clientes. Mas, ali, nunca me senti apenas cliente, me senti também, amiga. Sentar naquela cadeira e ser atendida por ela significa sempre ter algum assunto para bater papo. Mas, naquele dia, no dia em que marquei hora, os assuntos e a cadeira eram outros.
Janete puxou duas cadeiras: uma para mim e outra para ela. Nos fundos do salão, me olhando um pouco assustada e sem saber por onde começar, ela arregalou os olhos e me disse, respirando fundo: “vamos lá”. Entendi, naquela hora, que havia muito mais do que histórias de salão de beleza: ali, havia a história de uma mulher que passou por muitas dificuldades na vida. Nenhuma que a tenha feito parar.
Uma infância marcada
Janete nasceu em Roncador, uma cidade próxima à Campo Mourão, no Paraná. Aos 15 anos, ela morou com o cunhado, que tinha um salão em Curitiba, então, começou ali a atividade que dura até hoje. Porém, a vida da cabeleireira passa por muitas outras histórias antes dessa.
Jan, como é carinhosamente chamada em seu salão, viveu períodos conturbados durante a infância e a adolescência. Com apenas 13 anos, ela começou a usar drogas. Conta que usou vários tipos delas, das lícitas, como o álcool, até as ilícitas, como a cocaína. Mas é impossível não se perguntar o motivo disso ter acontecido.
Em sua cidade natal, morava com os pais e os irmãos. Ainda na infância sofreu abuso de seu próprio pai. Não apenas ela, como também sua irmã. Janete nunca contou o que aconteceu para a mãe, que sofria violência doméstica e sempre foi uma mulher muito humilde. Quando se mudou para cá aos 12 anos, encontrou nas drogas um refúgio, uma maneira de fugir de suas próprias memórias.
Quando tinha 15, na mesma época em que começou a trabalhar no salão, Jan engravidou de quem se tornaria seu primeiro marido. A gravidez não agradou sua mãe, que a espancou ao saber da notícia. Ela passou 5 dias no hospital. Orgulhosamente, porém, ela conta que nunca deixou faltar nada para seus filhos e que mesmo tendo vícios, nunca usou drogas durante nenhuma de suas 3 gestações.
“Você acredita que Jesus vai te curar?”
Haveria, porém, um momento crucial para as mudanças na vida da cabeleireira. Em 2009, Janete sofreu um acidente de moto. No hospital, ela sabia que a situação não era das melhores. O acidente afetou gravemente sua perna esquerda e, para os médicos, a única solução seria a amputação. A informaram do procedimento, que seria feito logo no dia seguinte.
Nessa noite, um homem entrou no quarto de Janete. Vestido com um jaleco, se identificou como enfermeiro, mesmo não tendo seu nome estampado nas vestes brancas. Quando entrou no quarto, perguntou: “você acredita que Jesus vai te curar?”. Colocou a mão sobre seus pés e falou sobre o quanto Jesus a amava. Antes de ir, deixou uma bíblia de presente para ela ao lado da cama. Naquela noite, após 3 meses no hospital, ela finalmente dormiu bem.
Na manhã seguinte, o enfermeiro, que costumava cuidar dela, entrou no quarto. Janete descreveu as características do homem que a havia visitado na noite anterior, mas ninguém que trabalhava lá se assemelhava à descrição. O fato é que sua perna, antes infeccionada e condenada à amputação, estava voltando ao normal. Esse foi o dia em que Janete teve certeza de que ela poderia mudar sua história. Começou a frequentar a igreja e decidiu parar com as drogas. Houve recaídas pelo caminho, mas também houve quem a ajudasse a não desistir de continuar seguindo em frente.
Felicidade e perdão
Janete fez vários cursos para se especializar em sua profissão, trabalhou em muitos salões de Campo Largo e teve ajuda de pessoas que ela leva para a vida toda, sem esquecer de ninguém que jamais a deixou cair. Para ela, a razão de ter continuado foi os 3 filhos: Eduardo, dono de oficina e que tem a pequena Pietra; Ricardo, que mora nos Estados Unidos e trabalha como mecânico; e Sabrina, a mais nova, que teve Sailon, o outro netinho de Jan.
Sorrindo, com o sonho de seu próprio salão realizado, Jan fala sobre erros e perdão e afirma que a principal parte da vida é perdoar para seguir em paz. “O perdão é a principal parte da vida. A gente aprende a ser feliz”, diz. E ainda faz referência à uma parte muito conhecida da bíblia, mas pouco praticada atualmente: “quem nunca errou que atire a primeira pedra”.