O isolamento social provocado pela Covid-19 limitou as interações pessoais no presencial e potencializou os relacionamentos virtuais.
O isolamento social provocado pela Covid-19 limitou as interações pessoais no presencial e potencializou os relacionamentos virtuais. Fatos esses comprovados conforme o levantamento realizado pelo aplicativo Inner Circle, que apontou um crescimento de 391% em trocas de mensagens e 988% nos video dates. Entretanto, é preciso evitar situações desagradáveis, desilusões amorosas e mesmo se colocar em risco em determinadas circunstâncias.
A psicóloga Carolina Gadens Marchiori, especialista em Psicologia Clínica Cognitivo Comportamental e em Sexualidade Humana, comenta que dentro dos aplicativos de maneira geral, e principalmente de relacionamento, há na maioria das vezes uma “máscara”, e a mesma pode cair ao longo do tempo. “Quanto mais tempo levamos para conhecer alguém mais conseguimos perceber as incoerências e distorções nas falas e ações da outra pessoa. Claro que sempre há um risco, mas ele pode ser minimizado.”
A especialista segue explicando que é possível perceber em pequenos detalhes. “Quando a pessoa está envolvida emocionalmente é muito comum que ela ignore esses sinais. É importante estar consciente de que em um relacionamento online não conhecemos a outra pessoa. Temos que estar atentos e identificar as expectativas que nós mesmos criamos com relação ao outro para conseguirmos enxergá-lo de forma mais real possível”, diz.
Assim, um dos passos importantes para um relacionamento virtual saudável é perceber qual é o seu próprio limite de exposição e respeitar isso. “Quando uma exposição ocorre, existe um risco. Apesar de que a pessoa que se expôs fez isso para alguém que ela queria, e não para que essas fotos ou vídeos vazassem. Quando isso ocorre existe sim um prejuízo emocional já que a pessoa vivencia um sentimento de humilhação, vergonha e pode gerar dificuldades para confiar nas pessoas e futuros relacionamentos”, explica.
Caso em Curitiba
Um caso que chamou a atenção nas últimas semanas foi o suspeito de assassinar três jovens gays e que acabou sendo preso na última semana, no bairro Capão Raso. As vítimas moravam sozinhas e foram encontradas mortas em suas camas, nas respectivas residências, com sinais de asfixia, além de terem pertences subtraídos.
Conforme informações divulgadas pela investigação do caso, o homem conhecia suas vítimas por meio de aplicativos de relacionamento e trocava mensagens e fotos íntimas. Então, ia até a casa da vítima e a estrangulava, após a morte a cobria com cobertores.
Conforme relatório da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (ILGA), o Brasil está hoje em primeiro lugar no continente americano quando a questão é quantidade de homicídios de pessoas LGBTs, além de ser o país que mais mata pessoas trans no mundo.
“Acredito que casos de crimes contra a comunidade LGBTQ+ acontecem com frequência. Muito mais frequentes são os preconceitos, que também são agressões. Não significa que todos os crimes ocorram por serial killer. Vivemos em uma sociedade preconceituosa que ainda ‘ensina’ pessoas a terem esses preconceitos”, explica.
A psicóloga comenta que grande parte dos crimes à comunidade LGBTQIA+, casos de relacionamento abusivo e masculinidade tóxica vêm de uma cultura que ainda reproduz o machismo – em alguns casos sem perceber – e que “partem do princípio que a heterossexualidade é o correto”.
A especialista segue dizendo que a homofobia é um conjunto de comportamentos que envolvem práticas de violência física, violência psicológica e preconceitos. “Para mudar esse processo é importante que cada um perceba os seus próprios preconceitos e não reproduza esses comportamentos e não ensinem para seus filhos também. É uma mudança individual que afeta a cultura em geral. Outra mudança importante seria a adoção de políticas públicas que combatessem esse tipo de preconceitos e violência”, avalia. “Esses crimes geram medo e insegurança, não só na comunidade LGBTQ+ como em seus familiares também. Muitos pais relatam sentir medo que seus filhos saiam de casa e sofram algum tipo de violência. É muito ruim você sair de casa com medo por simplesmente ser quem você é”, completa.
Relacionamento abusivo
Há ainda casos de relacionamentos abusivos, que devem ser denunciados e que muitas pessoas estão vivenciando diariamente no país. A tecnologia ajudou pessoas a encontrarem apoio em aplicativos, como o “PenhaS”, do Instituto AzMina, canais oficiais de denúncias e também grupos nas redes sociais.
Após vivenciar algum relacionamento abusivo, a vítima tende a se retrair, com medo de viver novamente a experiência danosa e perigosa. “Um relacionamento abusivo é basicamente aquele em que a individualidade do outro não é respeitada e uma das partes exerce um “poder” sobre a outra, que sofre. Deve haver pelo menos um tipo de violência, seja ela física, psicológica, sexual, tecnológica e financeira”, elucida.
Carolina segue explicando que existe um ciclo nesse tipo de relação, onde primeiro um dos membros vai cedendo às pressões e exigências do outro. “Já na segunda fase é quando ocorre a briga, que vai se tornando cada vez mais grave. Na terceira ocorre a fase da ‘lua de mel’ que o abusador promete que vai mudar, agrada a vítima e assim mantém ela na relação. Muitas vezes a vítima se afasta de todas as outras relações e fica enfraquecida. Como esse tipo de relação afeta a vítima a nível neurológico, ela tem dificuldade de sair do relacionamento e tem a crença de que o outro vai mudar. O que é muito difícil acontecer. Nesses casos é necessário ajuda especializada para auxiliar a vítima a sair da relação e apoio de amigos, familiares e jamais julgamento. O julgamento vai fazer com que a vítima evite contar para os outros. Em muitos casos é necessário entrar com medidas judiciais”, orienta.
Sociedade mais aberta ao diálogo?
Em contrapartida, com o advento das redes sociais, que têm uma abrangência de público de várias faixas etárias e poder aquisitivo, tornou-se mais fácil discutir sobre temas como homofobia, violência doméstica e sexualidade feminina, além de repassar informações que podem salvar vidas.
“É um processo e ainda tem muito para melhorar. Hoje as pessoas falam mais sobre esses temas. Acho que o maior benefício é a sociedade entender que é algo normal, assim como sexualidade masculina e a heterossexualidade. A partir do momento que se compreende que é normal, os ataques a esses grupos tendem a diminuir. Mas para que isso aconteça temos um longo caminho pela frente”, finaliza.