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Nenhum estudo científico comprova eficácia de tratamento precoce contra Covid-19, afirma pesquisador

Doutor em Microbiologia, Parasitologia e Patologia, que morou por 16 anos em Campo Largo, fala do tratamento precoce que está sendo tão discutido e sobre estudo da UFPR que comprova efeito tóxico da cloroquina e que causa proble

Nenhum estudo científico comprova eficácia de tratamento precoce contra Covid-19, afirma pesquisador

O tratamento precoce em pessoas contaminadas com a Covid-19 está sendo bastante discutido a nível nacional. Grupos que defendem o uso de alguns medicamentos logo quando iniciam os sintomas, mas também grupos de pesquisadores e sociedades médicas que defendem a falta de comprovação e que o uso deste protocolo pode também causar problemas à saúde.

A Folha conversou com o Dr. Paulo Cezar Gregório, professor e pesquisador, doutor em Microbiologia, Parasitologia e Patologia, que morou em Campo Largo dos 08 aos 24 anos de idade, mantendo relação com a cidade e veio a contribuir com informações sobre o assunto. Ele também faz parte de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que publicou um estudo em fevereiro deste ano na revista científica Toxicology and Applied Pharmacology e alerta para os efeitos tóxicos causados pela cloroquina nas células endoteliais - vasos sanguíneos. Também estão em fase de publicação de outro estudo em células renais.

“Esse assunto cloroquina já foi superado em vários países do mundo, pouquíssimos países que falam essa história da cloroquina. Já é um assunto vencido e superado no mundo inteiro, mas no Brasil infelizmente politizou este assunto e estamos aqui discutindo o que já se tornou cansativo e não é mais adequado. Ficamos aqui falando o óbvio”, declara ele, explicando que a cloroquina, por exemplo, é um ótimo antimicrobiano, que ajuda a diminuir a replicação viral in vitro, mas quando extrapola para estudos clínicos randomizados, que têm grupo controle e pacientes tomando a medicação, esta eficácia não é demonstrada.

Ele acredita que os profissionais da Saúde que aconselham e receitam tratamento precoce têm o desejo de curar as pessoas, “porque é terrível não ter o que fazer”, mas que infelizmente não há nenhuma comprovação e ainda pode estar causando mal àquele paciente. “É preciso ter domínio da literatura científica. O pesquisador na França que foi o primeiro a defender o uso da cloroquina inclusive está sendo processado”, diz.

Ele orienta que o momento é de conscientizar as pessoas da responsabilidade que a população tem diante da pandemia. “Tem que se cuidar, quem pode tem que ficar em casa, usar máscara, ter higiene, evitar aglomeração e cobrar dos governantes a vacinação em massa. É a única forma de conter esta pandemia. É a receita de bolo, isso é repetitivo, mas parece que ter que ser assim”, diz.

Ele acredita que a cultura da automedicação é uma realidade que vivemos há muitos anos no Brasil. Uma situação delicada e que a sociedade tem que abrir o olho para isso, buscar ajuda dos profissionais da Saúde e tomar cuidado com as fake news. “Hoje vivemos uma situação dos famosos doutores de Internet e Facebook, se formam pelo Youtube e Facebook. Precisam saber que a cloroquina ou medicamento sem necessidade pode fazer mal sim”, frisa ele, orientando que é preciso acompanhar o que a literatura científica está trazendo e que é importante considerar a fonte da publicação. “Infelizmente até no mundo dos artigos tem uns que não são científicos. Internet democratiza o acesso à informação, mas é preciso cuidado”, completa.


Diferencial de um estudo científico
Dr. Paulo frisa que não existe nenhum estudo que mostre a eficácia do tratamento precoce nos pacientes Covid-19. Segundo ele explica, são apenas estudos observacionais, em que após o uso do medicamento avaliam o perfil do paciente com determinada patologia ou tratamento, e a partir disso vão dar algum resultado para a equipe clínica. “Porém estes estudos têm um viés muito forte atrás do que o científico quer olhar, porque se você dá, por exemplo, cloroquina mais ivermectina para o paciente, mas não tem grupo controle, grupo placebo, você está direcionando um resultado. Se estes pacientes se curarem da doença, não tem embasamento para confirmar se foi de fato a medicação ou se foi o ‘chá de camomila’ que a vó deu para ele”, argumenta.
Os estudos que passam por rigor científico são os randomizados, que o computador escolhe. Há grupos com pessoas que vão tomar medicação e grupo placebo. Há várias formas de estudo científico, mas é de relevância dada a forma com que é escolhido, executado e o número de pacientes.

Malefícios e estudo da UFPR
A cloroquina é um medicamento já bastante estudado e com efeitos conhecidos. Dr. Paulo ressalta que pacientes que têm indicação do uso deste remédio devem continuar com o tratamento de acordo com orientação médica, porque ele é eficaz quando prescrito na dose certa para tratamento de doenças como malária, lúpus, doenças articulares, por exemplo. Mas que no caso de tratamento para Covid-19 não há nenhuma comprovação científica.

“Como seria excelente se a cloroquina tivesse eficácia contra a Covid-19. Todo mundo queria que tivesse, ainda mais sendo um remédio de baixo custo, usado há mais de 70 anos. Além de não trazer benefícios, pode fazer mal à saúde”, afirma. Cita que essa medicação pode causar efeito adversos, como arritmias cardíacas; problemas no ouvido, na retina e hepáticos; cefaleia, além de afetar a circulação em órgãos como coração, rins e pulmões – o que agravaria ainda mais o quadro de pessoas com sintomas graves da Covid-19.

O estudo na UFPR, do qual fez parte, trabalhou com células endoteliais e teve início em 2016 para avaliar o efeito da cloroquina em células vasculares (endotelial) de pessoas com Doença de Fabry. Com a pandemia viram a necessidade de publicar o artigo focado em Covid para mostrar os efeitos que podem causar. Trata-se de um estudo in vitro, em que a cloroquina aumentou o stress oxidativo - acúmulo de substâncias tóxicas - dentro das células. Como pesquisadores, estão abertos a novos estudos. Ele ressalta que a parte de virologia não é expertise do grupo, que eles avaliaram o efeito citotóxico nestas células em contato com a cloroquina.

Entidades médicas publicaram nesta terça-feira (23) um documento que pedem que sejam banidos estes medicamentos no tratamento precoce da Covid-19: “Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da Covid-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida.”