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Câncer de mama não é o fim e pode ser um recomeço

Com a mesma calma com a qual a mãe enfrentou um câncer, filha faz seu relato sobre essa luta contra a doença

Câncer de mama não é o fim e pode ser um recomeço

Era quinta-feira, 17 de agosto de 2017, quando veio o resultado da biópsia e, com ela, uma ligação: “é maligno”. Com uma calma assustadora, foi assim que recebi a notícia de que começava ali, no mês de seu aniversário, a luta contra o câncer de mama. Carmeli Reinaldin Cavallin, 56 anos, professora de profissão e mãe - a minha mãe - faria parte, a partir daquele dia, das estatísticas que tornam o câncer de mama o segundo que mais acomete mulheres no Brasil e no mundo.

Mas, de alguma forma, a resposta do exame já tinha vindo para ela há muito mais tempo. Em 2014, em uma consulta de rotina com a ginecologista e através do exame de toque, foram identificados nódulos nas duas mamas, porém, os mesmos foram dados como benignos e, como de praxe, o acompanhamento começou a ser realizado. “Na época eu queria ter feito uma mamoplastia redutora, os nódulos sairiam junto com a cirurgia, mas deixei passar”, lamenta Carmeli.

Três anos depois, lá estava ela, novamente, no consultório. Dessa vez, quase não restavam dúvidas: os nódulos estavam grandes, via-se a pele avermelhada, como se fosse uma inflamação. No exame de toque ficavam claras as deformidades que antes não eram aparentes. Foi ali, desde aquele dia, que minha mãe começou a entender, mesmo ainda sem o diagnóstico, que ela passaria por oito sessões de quimioterapia, uma cirurgia e 28 sessões de radioterapia.

Da quimioterapia à cirurgia
As sessões de quimioterapia começaram no final de outubro de 2017. Elas aconteciam uma vez a cada 21 dias. Com elas, os cabelos caíram, as unhas foram enfraquecendo e as sobrancelhas ficaram menos espessas. Os dias que sucediam as quimioterapias eram pesados: náuseas, vômitos, falta de apetite, dores de cabeça, fraqueza e tontura. “Eu entendo que algumas pessoas queiram desistir ao passar por isso, mas eu tinha um motivo para continuar, que era você”, declara com um ar de durona enquanto olha para mim com um sorriso de canto.

Fui em todas as sessões com minha mãe. Em nenhuma delas, em momento algum, parecia que ela estava saindo de casa para se tratar de um câncer; a impressão era de que estávamos indo ali, como quem vai passear e já volta. “Não sabia que eu tinha tanta força, ainda mais por ter depressão”, pensa em voz alta. “Eu acho que ela vem de Deus”, completa.
Carmeli garante que a parte mais difícil de todo o tratamento não foi passar pelas sessões de quimioterapia e, com um humor bem característico, aponta o dia da consulta como o pior de todos. “Tinha hora marcada, mesmo assim, eu ficava o dia todo esperando”, explica enquanto revira os olhos. “Mas fiquei sabendo de várias histórias durante essas horas. Tem coisas muito tristes, mas tem outras muito bonitas”.

As sessões de quimio e radioterapia foram todas feitas pelo SUS. A cirurgia, não. Carmeli queria tirar as duas mamas, embora o câncer tivesse afetado apenas a direita. “Não queria correr o risco de passar por tudo de novo. Acho melhor ficar sem elas e ter saúde”, diz, convicta. O SUS apenas dá o direito de retirada, em cirurgia, da mama afetada pela doença. Durante o tratamento, várias mulheres relataram que o câncer havia voltado na outra mama e esse foi um dos pontos cruciais para a tomada da decisão.


Por outro ângulo
Naquele dia, apesar de toda a calmaria na hora da notícia, havia algo dentro de mim. Parecia que todo o medo que não passava nem perto da minha mãe, tinha se instalado em mim. Como um grito de socorro, eu, que agora escrevo aqui, não sabia como frear o medo de, talvez, com meus 26 anos, não poder mais vê-la num ato simples de acordar, abrir os olhos e enxergar a vida. E eu entendi que precisava ser forte, também, mas que chorar, desabar e pedir a Deus para que ela ficasse bem, não era, nem de longe, um ato de fraqueza.

Depois daquela primeira sessão de quimioterapia, sugeri, então, que deveríamos, nós duas, cortar os cabelos. E ela não ligava em perder os dela, mas não queria de jeito nenhum que eu cortasse os meus. Porém ela sempre salientou a minha teimosia. Fomos, as duas. Ficamos carecas, as duas. E eu não mudaria, nem por um segundo, essa decisão. A teimosia deve ser genética.

“Não achava que seria o fim, achava que era um recomeço. Nós tínhamos acabado de nos mudar de casa, eu, você e seu pai. Era um recomeço pra mim”, avalia. Já se levantando da mesa ao final da nossa conversa, Carmeli, minha mãe, dona dos olhos esverdeados mais esperançosos que já vi, disse que não teve medo, que tinha certeza de que tudo daria certo e que, depois do câncer, a vida pode ser vista de outra forma. “Agora eu sei que estou preparada para tudo, sejam coisas boas ou não”, finaliza.