“Se eu esperasse ter sintomas, eu não teria a chance de viver como vivo hoje. Eu não tinha dor, sangramento, eu não tinha nada. Foi um exame de rotina que me salvou”. Conheça a história da psicó
Entre todos os meses “coloridos”, este é o mais conhecido pela população brasileira: o Outubro Rosa, que visa conscientizar as mulheres sobre a importância dos exames ginecológicos serem feitos anualmente e também do combate ao câncer, especialmente de mama, útero e ovários. Entretanto, um levantamento feito em fevereiro deste ano mostrou que 20% das mulheres brasileiras não vão ao médico, onde 5,6 milhões delas não costumam ir ao ginecologista, 4 milhões nunca procuraram o atendimento e 16,2 milhões não passam por consulta há mais de um ano.
A psicóloga Marília Boaron Sprea tem 34 anos, sempre teve uma vida muito equilibrada. Casada e mãe de dois filhos, um de 05 anos e outro de 03 anos, nunca deixou de se cuidar e manter uma alimentação saudável, faz terapia e realiza seus exames anualmente. Porém, foi em um destes exames que Marília precisou aprender a lidar com a espera de um resultado de uma forma que nunca tinha preciso antes. Neste ano ela foi diagnosticada com Adenocarcinoma Maligno Invasivo, que tinha altas chances de desenvolver metástase e atinge cerca de 10% da população feminina diagnosticada com câncer.
“Em novembro do ano passado, em um exame de papanicolau veio uma alteração celular. Não era nenhuma confirmação de doença, mas eram células que não deveriam estar ali, que eram células glandulares. Neste primeiro momento eu não falei para ninguém, se não meu marido, mas eu precisava investigar com exames feitos no espaço de três meses cada, onde eu teria que ter três negativos. Isso foi gerando um desconforto muito grande, também psicologicamente, porque a pior coisa para mim é não saber o que eu tenho. Isso foi gerando um estresse bem grande, porque estava sempre pensando que eu tinha que resolver isso.”
Ela conta que tinha a necessidade destes três negativos para poder ficar tranquila e precisava aguardar esse tempo entre os exames para repeti-los. “Minha profissão exige um treino disso, tenho o conhecimento, mas sentir na pele e precisar administrar essas situações muitas vezes é complicado. Comecei a cuidar do meu psicológico. Neste período, quando voltei à minha terapeuta, a mãe dela faleceu, o que complicou um pouco mais”, relembra.
Embora ela tenha tido o apoio do marido, enquanto não recebia a confirmação, conta que este momento é muito solitário, no qual só a pessoa vai conseguir administrar. “Nossa parceria é muito boa, desde a época do namoro, mas é algo muito íntimo, que fica difícil explicar para outra pessoa”, diz.
A notícia
Marília conta que fez dois exames que vieram negativos para alterações, então no último ela estava muito confiante e pensou até em cancelar a consulta, pois estava com a agenda lotada e tinha viagem marcada em alguns dias. Quando ela ligou para a médica, a mesma disse que poderia cancelar, mas a agenda só estaria livre para o mês de outubro, então ela resolveu ir.
“Eu tinha certeza que seria negativo, até chegar no consultório. Meu marido ficou no carro com as crianças porque eu achei que seria rápido, mas assim que cheguei o assistente me perguntou se eu estava sozinha e eu disse que sim, perguntando porquê. Ele tentou desconversar, mas eu já estava em estado de alerta. Ele colocou minha ficha na porta do consultório, a médica pegou e não me chamou imediatamente, pelo contrário, ela saiu da sala por aproximadamente 30 minutos. Eu estava com um livro na mão, mas praticamente só folheava ele, não conseguia prestar atenção”, relembra.
Ao entrar na sala, a médica foi muito direta com o resultado do exame. “Lembro bem das palavras dela, ela me disse ‘olha Marília, nós fizemos as duas biópsias, uma no colo e outra no canal, refizemos o papanicolau e o resultado é que você está com Adenocarcinoma, vai ter que retirar útero, ovários, tudo e passar por um oncologista para saber se será preciso fazer quimio e radioterapia’. Neste momento eu não consegui chorar, mas para mim não foi tão ruim quanto esperar o resultado da biópsia. Não tem como dar uma resposta como essa de uma forma carinhosa, mas ela se preocupou com todos os papéis de encaminhamento, exames, tudo. Eu cancelei toda a minha agenda e só queria fazer a cirurgia”, conta.
Ela passou pela consulta com o oncologista e pediu para fazer a viagem, já que não sabia o que poderia vir pela frente. Foi autorizada e conta que essa foi a melhor viagem que ela já havia feito nos últimos tempos, pois conseguiu aproveitar, relaxar e ficar feliz mesmo sabendo o que viria pela frente.
Marília foi para a viagem com todos os exames prontos, para quando voltar já se submeter à cirurgia. Ela chegou a consultar outros cinco profissionais, e todos indicaram o mesmo diagnóstico e tratamento, que era retirar tudo. “Eu queria viver, não queria faltar para meus filhos, só queria tirar logo para voltar para minha vida normal”, completa.
A cirurgia
A cirurgia dela foi colocada em caráter de prioridade e foi realizada no dia 08 de agosto, há dois meses. “Eu fiz a cirurgia, mas o médico não me tranquilizou em nenhum momento, até o resultado da biópsia. Antes da cirurgia eu só queria fazê-la, preferindo sentir a dor que ela trouxe, do que a ansiedade em saber. Depois foi ansiedade até eu receber o resultado da biópsia, porque ali seria definido se tirou tudo ou não, se eu precisaria fazer quimio e radioterapia. Foi pior do que receber a notícia. Eu não sabia o que fazer, foi muito difícil”, relembra.
Esse foi um momento pesado para ela, especialmente no aspecto emocional. Ela conta que chegou a ter três crises de pânico bem intensas ao longo dessa trajetória, mesmo com medicação. “É uma condição humana, nós não estamos no controle dessa situação. Por ter a formação, fazer a terapia, eu consegui ter clareza, embora em muitos dias isso tudo se confundisse, não sabendo dizer o que é da doença, do pós-operatório, da ansiedade. Era só ter que esperar passar tudo aquilo. Do resultado da biópsia para cá eu não tive mais essas crises de pânico”, conta.
O resultado da biópsia foi a confirmação da doença, mas que tudo havia sido retirado, não tinha metástase – embora fosse uma doença com altas chances de metástase. Não foi possível saber a causa da doença, há quanto tempo ela apareceu e ela não precisará passar por tratamento. Marília tem apenas um histórico familiar de câncer de mama, uma tia paterna, mas que, segundo os médicos, não exerce uma influência grande para o surgimento da doença. Agora ela vai precisar fazer acompanhamento por cinco anos, para ter alta definitiva.
Rede de apoio
Além do marido, Marília pode contar com toda a família empenhada em ajudar a cuidar das crianças, da sua saúde e da sua casa. Além do marido, a mãe, irmãs, cunhados, cunhadas, amigos, todos puderam contribuir de alguma forma. Seus pacientes, embora ela tenha encaminhado para outros profissionais, esperaram ela voltar a realizar os atendimentos e a receberam de volta com muito carinho. “Até mesmo meus filhos cuidaram de mim. Eles são muito curiosos e eu não escondi nada deles. Eu disse que estava com câncer, que era uma doença na ‘casinha dos bebês’ e que eu não poderia mais gerar bebês na minha barriga. Eles assimilaram bem a história e cuidavam de mim”, diz.
“O meu desejo é que as mulheres continuem se cuidando, façam os exames preventivos, acreditem que mesmo na doença algo tem para ser revelado nesta vida, muitas coisas precisam ainda serem vividas. Força, coragem para poder encarar, é sim muito difícil, mas não tenha medo de procurar ajuda na especialidade que for necessário e recursos para ficar bem. Uma boa saúde mental faz toda a diferença. Não deixe de dividir o que está acontecendo e procure ajuda, mas saiba em quem confiar, quem merece estar do seu lado. É um momento difícil, mas que você precisa reconhecer também quem vem para contribuir”, finaliza.