24/06/2014
Por Willian Fermino da Silva*
“Vou-me embora para Pasárgada
Lá sou amigo do rei”.
Este famoso poema de Manuel Bandeira talvez não revele como é a Pasárgada, se é bom ou ruim habitar lá, tampouco se é um país justo ou sinônimo de antíteses sociais gritantes. O que o saudoso trovador induz-nos a pensar é que onde o narrador está, não dá mais para ficar. O engraçado é que depois de 84 anos que o poema foi escrito – quem diria – se encaixa perfeitamente na realidade de nossas contemporâneas terras tupiniquins. Tudo isso causado por um governo que nos obriga a sonhar com uma Pasárgada longínqua e utópica para fugirmos de uma triste realidade chamada Brasil.
Sim, a nação que realiza a “Copa das Copas”, enfadada sobre todos os holofotes do mundo, nada mais cria que um mundo paralelo, onde a realidade é bem escondida embaixo dos panos da corrupção, do assistencialismo extremo, do marketerismo exacerbado de uma um grupo que pensa, age e vive em função do poder, tendo a massa que, alienada socialmente e ávida por mais benefícios sociais e menos trabalho, a apoia incontestavelmente.
O Brasil, que se orgulha de estar entre as dez maiores economias do mundo, mas que não consegue sequer resolver problemas estruturais básicos, está entrando num barco sem volta, rumo a um possível caos econômico chamado inflação. Certamente quem possui mais de 30 anos se recorda das filas nos açougues para comprar carne, ou na padaria para comprar pães. Tudo racionado, preços congelados, planos econômicos fracassados e insustentáveis. Não é algo agradável nem para se lembrar, muito menos para reviver. O engraçado é que, com a Copa, nossa maravilhosa Copa, a população praticamente se esquece deste fantasma. O brasileiro vive como se estivesse num conto de fadas, talvez como num wishful thinking que a Copa irá resolver todos os seus problemas. O que não percebem é que os produtos estão encarecendo, o orçamento doméstico está apertando e que o nosso maravilhoso governo, através da eficiente Receita Federal, está, mês a mês, batendo recordes em arrecadação. Isso me faz pensar nas palavras do jurista Ivens Gandra Martins que diz que o Brasil possui arrecadação de país civilizado, mas distribuição de país subdesenvolvido.
A inflação é um perigo real. Engana-se quem pensa que ela está controlada. O COPOM fez esforços que não surtiram aquele efeito desejado pelo governo. E olha que seria muito interessante à nossa presidenta e a sua grei ter conjuntamente a redução da Taxa Selic e queda na inflação. Que sonho! Mas como o Brasil não é Pasárgada... A Taxa Selic subiu e a inflação galgou a casa dos seis vírgula alguma coisa no acumulado dos últimos doze
meses, o que já acende um sinal vermelho para o BACEN e para o governo que se diz “dos trabalhadores”.
Mas, estamos no país da Copa! Gastos e gastos com estádios que parece importar a poucos críticos que são tidos como antiquados e pessimistas. Bem, se posso me enquadrar nesta categoria, que seja. O fato é que é tão revoltante a subserviência de nosso governo para com a FIFA e companhia limitada que fico cá a pensar quem efetivamente manda neste país. Certamente em Pasárgada as leis são respeitadas, como deveria ser uma lei que beneficia as famílias e que proíbe venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Acreditem: a FIFA não abriu mão de uma marca de cerveja que patrocina a Copa. Já nossos legisladores, que tinham a faca e o queijo na mão para fazer valer a soberania do país, deixaram-no (o queijo) para que os ratos da FIFA fizessem a festa, utilizando a faca para cortá-lo em cubinhos e melhor servi-los. Este jugo da FIFA sobre este país de alienadores e alienados e tão pesado que obrigou o banco responsável pelos financiamentos que fomentam o crescimento do país, o BNDES, a repassar quantias enormes a estádios superfaturados e com benefício social ínfimo para a coletividade. Quantias estas que poderiam fomentar negócios e gerar empregos a nível nacional entregues de bandeja a times de futebol cujo único propósito é servir de circo, assim como nos tempos da Roma Antiga.
Pão e circo. Basta isso para apaziguar o povo e não permitir que este pense, reflita e se revolte.
Depois, volta e meia vemos o BNDES pedindo empréstimos ao Tesouro Nacional por não ter dinheiro. Inclusive agora o próprio renegociará uma dívida de R$ 238 bilhões com o Tesouro, os quais custarão R$ 92 bilhões aos cofres públicos.
Sim, o cidadão brasileiro que se regozija com a Copa, eu e você estamos pagando tudo isso: um “investimento” para clubes de futebol. Falam em legado, mas... Legado de quê? De ver uma obra faraônica em meio a abismos sociais, corrupção, impostos abusivos e inflação alarmante? Preferiria deixar outro legado, talvez mais significativo, como saúde, educação e mesma ladainha escutada nas ruas, do que este.
Se a Pasárgada for melhor como o nosso narrador relata, vale à pena conhecê-la. Sendo amigo do rei, melhor ainda. Talvez lá exista comprometimento, exista seriedade, exista boa vontade por parte do rei e de todos. No final das contas, é melhor mesmo deixar a Pasárgada nos sonhos, pois assim não haveria risco dela se contaminar com a realidade da qual o autor Manuel Bandeira - aliás, não só ele - gostaria de fugir.
*Willian Fermino da Silva é consultor de empresas e professor universitário. Especialista em Controladoria pela UFPR e graduado em Administração de Empresas pela FAE.