20/12/2011
O Paraná passa a contar, a partir de hoje, com o primeiro banco público de armazenamento de sangue de cordão umbilical do estado, e o 12.º do país. O serviço, denominado formalmente de Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário (BSCUP), será inaugurado na manhã desta terça-feira, e é uma esperança a mais para quem sofre de doenças que exigem transplante de medula óssea. O banco ficará sob a administração do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A médica hematologista Daniela Carinhanha Setubal, do Serviço de Transplante de Medula Óssea do HC, explica que as chances de cura para pacientes com doenças como leucemia – a patologia para a qual mais se fazem procedimentos desse tipo – aumentam com a disponibilidade do serviço. Hoje, os doentes podem recorrer à doação de medula óssea de parentes ou a doadores voluntários que fazem parte de um cadastro e devem apresentar sangue compatível.
“As chances de se encontrar um doador dentro da família são de 30% a 40%. Quando isso não é possível, recorre-se aos cadastros nacionais e internacionais de medula óssea. O problema é que às vezes o doador não é encontrado ou está com algum problema de saúde que impede a doação”, ressalta Daniela.
Mesmo que haja sucesso na busca, ela é demorada, problema praticamente inexistente no caso dos bancos de cordão umbilical.
“Uma das vantagens é a agilidade. O material já foi coletado e não é preciso pedir autorização do doador, uma vez que, após a doação, ele se torna público e a família não pode voltar atrás”, explica o chefe do BSCUP do HC, Giorgio Roberto Baldanzi.
Outra vantagem é a questão da compatibilidade. No caso do cordão umbilical, a compatibilidade entre os antígenos HLA – proteínas presentes nas células do sangue – não precisa ser de 100%. Admite-se que, dos seis tipos de antígenos, até dois possam ser incompatíveis, o que não é possível nos outros tipos de transplante.
Coleta
Também hoje será inaugurado o serviço de abordagem de gestantes e coleta do sangue do cordão umbilical, que será feito pela Maternidade Victor Ferreira do Amaral. A diretora-geral da instituição, Solange Borba Gildemeister, explica que a maternidade foi escolhida pelo perfil do público – todas as gestantes atendidas apresentam gravidez de baixo risco, um “pré-requisito” para que seus bebês se tornem doadores.
“Essa grávida tem de apresentar boas condições de saúde. Não pode ter hipertensão, diabete nem problemas de tireoide. Aquelas com histórico de doença genética na família, ou que tenham hepatite ou doenças infectocontagiosas também não participam. Já o bebê tem de apresentar um crescimento intrautero normal, e nascer no tempo correto”, diz Solange. Como tais informações são conhecidas durante o pré-natal, aquelas que não fizeram o acompanhamento são automaticamente excluídas.
Caso mãe e filho estejam bem de saúde, a grávida assina um termo de consentimento autorizando a doação, que não pode ser anulada. A mãe também não recebe dinheiro do hospital, nem pode exigir que o banco “guarde” o sangue para o caso de o bebê ou um familiar vir a precisar dele no futuro, como ocorre em bancos de sangue de cordão umbilical particulares. “O sangue não é mais de uma pessoa, é da comunidade”, explica a médica do HC Daniela Setubal.
Passo a passo
Saiba como funciona o procedimento para doadores e receptores:
1 Logo após o nascimento do bebê, e depois de a placenta ser expulsa do útero, uma enfermeira faz a punção das veias e artérias do cordão umbilical para a retirada do sangue. A bolsa com o sangue possui um agitador que impede que ele coagule. Ela é então lacrada e refrigerada para que as células não morram.
2 No banco de cordão umbilical é feito o processamento do sangue, do qual são retiradas as partes não aproveitáveis, como o excedente de plasma e os glóbulos vermelhos. Restam apenas as células-tronco, que têm maior capacidade de se dividir e podem se transformar em qualquer tecido do corpo.
3 O sangue é armazenado num contêiner de nitrogênio líquido a uma temperatura de -150°C. O material não contém o nome do bebê ou da mãe, apenas uma identificação numérica, assim como informações sobre as características do sangue para futuros testes de compatibilidade.
4 Quando um paciente com leucemia, por exemplo, não encontra doador compatível na família, ele pode recorrer ao banco de sangue de cordão umbilical. Caso haja compatibilidade, ele recebe as células-tronco por meio de um cateter na veia.
Fonte: Giorgio Baldanzi; Daniela Setubal, Lauren Auer Lopes
Perguntas e respostas
Tire algumas dúvidas sobre o sangue do cordão umbilical e os procedimentos de doação:
Quem pode doar?
Pode doar o cordão umbilical o bebê que apresente desenvolvimento intrauterino normal e que tenha nascido no tempo correto. As mães não podem apresentar histórico de doenças genéticas na família, nem hipertensão, diabete, hepatite, doenças infectocontagiosas ou usar drogas.
A idade da mãe também é verificada?
Sim. De acordo com a enfermeira Lauren Auer Lopes, responsável pela coleta do material na Maternidade Victor Ferreira do Amaral, estão excluídas as menores de 18 anos, já que a mãe precisa ser maior de idade para assinar o termo de consentimento, e as maiores de 36 anos, pois a partir dessa idade a amostra de sangue pode ter baixa qualidade.
Há riscos?
Não há risco, desde que a coleta seja feita após o cordão umbilical ter sido seccionado e depois de a placenta ter sido expelida pela gestante. O procedimento é indolor e dura cerca de três minutos. Pode ser feito em partos normais ou cesarianas.
Quem se beneficia?
Atualmente, o sangue de cordão umbilical só é usado para casos de transplante de medula óssea – em pacientes portadores de leucemias, linfomas, anemias graves e congênitas, além de outras doenças do sistema sanguíneo e imune (cerca de 70 tipos). São indicadas para pessoas com menos de 50kg, pois acima deste peso a quantidade de material não é suficiente.
As células-tronco podem ser utilizadas em tratamento de outras doenças?
Sim, mas a fonte utilizada atualmente para indicações diferentes do transplante de medula óssea, como a medicina regenerativa de determinados órgãos, são as células-tronco da medula óssea do próprio indivíduo.
Por quanto tempo é possível armazenar o material?
Estudos comprovaram sangue armazenado corretamente há pelo menos 25 anos ainda são aproveitáveis. Ele deve ser mantido em nitrogênio líquido, a uma temperatura de -150ºC.
O procedimento tem custos para a mãe?
Não. A mãe não paga e também não recebe por ele. “O bebê ganha um certificado de ‘herói’, comprovando que ele e a mãe ajudaram a salvar vidas”, conta a enfermeira Lauren.
É possível guardar o material exclusivamente para o caso de o bebê precisar dele no futuro?
Não. Após a doação, o material é público e não contém identificação nominal, apenas numérica.
Em quantas maternidades é possível fazer a coleta no Paraná?
Apenas na Maternidade Victor Ferreira do Amaral, em Curitiba. No momento, por falta de recursos humanos – o banco só conta com uma enfermeira e uma farmacêutica como funcionários exclusivos –, não é possível expandir o serviço para outras maternidades.
Fonte: Lauren Auer Lopes; Giorgio Boldanzi; Daniela Setubal; Solange Gildemeister; Instituto Nacional do Câncer (Inca)