Embora a violência doméstica esteja presente em muitos lares, a vergonha, o medo, a dependência financeira/emocional da vítima, dentre outros fatores inibem a concretização da denúncia.
A proximidade do Dia Internacional da Mulher enfatiza também a necessidade da proteção a elas que, infelizmente, a sociedade ainda precisa se conscientizar e lutar. Segundo dados da 3ª Delegacia Regional de Polícia Civil de Campo Largo, somente em 2024 foram 598 medidas protetivas expedidas, o que fica em torno de 50 medidas protetivas por mês.
“Isso só as medidas protetivas, mas tem os demais casos envolvendo violência doméstica, como estupros, lesões, maus tratos. Considerando que este ano, de 2025, já temos 107 medidas protetivas solicitadas, então a média está em 54, mas ainda não terminou o mês de fevereiro – entrevista concedida em 26 de fevereiro. Os tipos de violência mais cometidos são: ameaça, injúria, lesão corporal leve e perseguição. Não é possível especificar em quais bairros mais ocorrem, pois geralmente vem mulheres de todas as regiões. Infelizmente, a tendência de chamar a Polícia Militar no momento em que o crime está ocorrendo e o registro do boletim de ocorrência se dá com as famílias mais humildes, pois as famílias ‘conhecidas’ ou com maior poder aquisitivo, muitas vezes, têm vergonha de levar o fato adiante”, explica Dra. Mariana Cantu, delegada da 3ª DRP.
A delegada acrescenta que o principal desafio da Polícia Civil hoje é conscientizar as mulheres que podem estar sofrendo violência doméstica e não perceberem, bem como conscientizar os homens quanto aos atos que os tornam potenciais agressores. “Ainda, o principal ponto é conseguir conscientizar as mulheres quanto ao ciclo de violência e conseguir ajudar essas mulheres a romperem com o ciclo. Se a mulher é ou se sente vítima de violência doméstica é importante que registre um boletim de ocorrência e faça o pedido de medida protetiva. Se essa mulher não tem coragem de buscar ajuda na delegacia, fale com uma amiga ou algum familiar para que venha até a delegacia e registre a ocorrência. Ainda, também é possível fazer um registro anônimo pelos canais 181 e 197. A PCPR tem o papel máximo de investigar esses delitos e ajudar para que a mulher consiga romper o ciclo de violência. Outros órgãos têm a missão de prestar auxílio psicológico, por exemplo”, ressalta.
Esse obstáculo de vencer o medo e a vergonha em registrar uma denúncia na delegacia de polícia se reflete em dados, não somente em Campo Largo, mas em todo o Paraná. Segundo o Painel de Dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o estado já registrou em 2025 um total de 1.572 casos de violações. O levantamento aponta que, desse número, apenas 229 denúncias foram efetivadas. Em todo o ano passado, o Paraná contabilizou 20.592 casos de violações contra a mulher e 3.103 denúncias, sendo 5.054 casos na capital paranaense e 760 denúncias. “Embora a violência doméstica esteja presente em muitos lares, a vergonha, o medo, a dependência financeira/emocional da vítima, dentre outros, são fatores que inibem a concretização da denúncia. O número de casos ser maior do que as denúncias é um fenômeno que ocorre não só com a violência doméstica, mas sim com todos os crimes. A chamada cifra negra, diferença entre a real totalidade dos delitos praticados e aquela que é apresentada, ou seja, que chega ao conhecimento dos órgãos responsáveis pela persecução penal”, explica.
Dra. Mariana ressalta ainda que a Polícia Civil possui atribuição para a apuração de crimes, na qualidade de polícia investigativa e judiciária, e que existem crimes em que a investigação não depende do registro de um boletim de ocorrência pela própria vítima (crimes de ação penal pública incondicionada), outros precisam legalmente que ela seja ouvida, bem como a sua anuência para a persecução penal, são os chamados crimes de ação penal pública condicionada a representação.
“Quando a vítima se recusa a registrar a denúncia, na maioria das vezes esse caso não chega até a Polícia Civil e se enquadra nestas chamadas cifras negras. Mas, quando algum familiar, vizinho ou amigo registra, a Polícia Civil vai até a vítima para entender a situação, viabilizar a proteção da vítima e também explicar quanto a importância da denúncia formalizada junto a Delegacia de Polícia. Denunciar é o primeiro passo para mudar a realidade de quem é vítima de violência doméstica. Afinal, uma denúncia pode salvar uma vida”, enfatiza.
Delegacia Cidadã
Recentemente, a Folha de Campo Largo noticiou a conquista da Delegacia Cidadã para Campo Largo, que, conforme o prefeito Mauricio Rivabem, é resultado da diminuição dos índices de criminalidade na cidade. Nesta mesma entrevista, o prefeito acrescentou que haveria a possibilidade de vir também uma Delegacia da Mulher para integrar o espaço.
Questionamos a Dra. Mariana sobre a vinda da Delegacia Cidadã, e explicou que este equipamento público foi projetado para melhor atender toda a população. “Nesse caso, teríamos um espaço exclusivo para o setor de vulneráveis. Desconheço qualquer projeto para a criação de uma Delegacia da Mulher em Campo Largo. A Delegacia Cidadã contaria com um espaço específico, mas continuaria como é hoje. Desde a minha chegada nós reestruturamos o Cartório de Vulneráveis, que atende mulheres, crianças, adolescentes e idosos, para melhor atender essa parte da população. Contamos com atendimento especializado e humanizado. A Delegacia Cidadã traria mais conforto e estrutura para todos os setores”, diz.
Orientações que salvam vidas
A delegada explica que a violência familiar é sempre progressiva, portanto, aos primeiros sinais é necessário procurar ajuda, antes que a situação se torne insustentável. Em qualquer sinal de violência doméstica, procure a delegacia de polícia.
“Vale lembrar que os estupros em família não ocorrem repentinamente. Fique atenta (o) ao comportamento de pais, companheiros, parentes e vizinhos, evitando o assédio que pode incorrer em violência sexual. Crianças e adolescentes molestados devem avisar uma pessoa de confiança para a tomada de providências. Evite andar
sozinha por ruas poucos iluminadas e/ou movimentadas”, orienta.
Diz também que existem diversos serviços públicos e privados de ajuda à população, tais como Conselho Tutelar, Defensoria Pública, Serviços de Psicoterapia e outros que podem ajudar as vítimas.