Terça-feira às 05 de Novembro de 2024 às 12:59:03
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Luto tardio pode interferir em vários aspectos da vida do ser humano e casos merecem atenção

O Dia de Finados pode ser visto como uma conexão espiritual ou até uma data que intensifica uma dor aparentemente já curada

Luto tardio pode interferir em vários aspectos da  vida do ser humano e casos merecem atenção

Um dia que naturalmente leva à reflexão e ao resgate de memórias, o Dia de Finados pode ser visto como uma conexão espiritual ou até uma data que intensifica uma dor aparentemente já curada. É quando se torna importante verificar se não há um processo de luto tardio ou prolongado, que pode desenvolver uma série de consequências em vários aspectos da vida do indivíduo.

“Isso ocorre quando a pessoa não sente ou expressa completamente o luto logo após a perda. Ao invés disso, os sentimentos ligados ao luto emergem significativamente mais tarde, podendo ser meses ou até mesmo anos após a ocorrência do evento de perda. Pode acontecer que alguém adie sua resposta quando passar por um momento de perda. Isso pode ser devido à necessidade de lidar com questões urgentes ou à sensação de não estar preparado ou capaz de lidar com a situação”, explica Mirella Carletto Silva (CRP 08/22278), psicóloga clínica especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e Terapia de Perdas e Lutos.

Ela ressalta que, durante o processo de luto natural, espera-se que após uma perda ocorra uma série de fases emocionais ligadas ao processo de luto, ainda que cada indivíduo enfrente esse momento de forma singular. Entretanto, o processo de luto prolongado pode interromper essa evolução natural, levando ao desenvolvimento de sintomas emocionais e comportamentais mais difíceis de controlar. “Quando o luto é deixado de lado por um tempo prolongado demais, os sentimentos podem eclodir de maneira mais profunda e complexa, o que pode tornar ainda mais complicado para a pessoa se recuperar”, acrescenta.

A psicóloga comenta que essa experiência é mais comum do que se imagina e pode estar ligada a diversos fatores, entre eles a forma do relacionamento com o falecido, que pode ser intenso ou complicado, relações de dependência emocional, conflitos não resolvidos ou, ao contrário, relacionamentos muito próximos e afetivos. “Nesses casos, uma pessoa pode reprimir a dor como uma forma de lidar com a intensidade dos sentimentos, o que pode adiar o processo de luto”, completa.

Como identificar?
“O luto tardio pode se manifestar por sintomas emocionais como tristeza intensa, apatia, irritabilidade, crises de choro e sentimentos de vazio ou culpa, que surgem muito tempo após a perda. No campo cognitivo, a pessoa pode ter dificuldade de concentração e memória, ou pensamentos intrusivos sobre a pessoa que faleceu. Também é comum o isolamento social, uma sensação de ‘congelamento’ emocional ou uma tristeza que não parecia presente antes.”
Ela ressalta que esse luto pode afetar a saúde mental com sintomas depressivos, ansiedade e, em casos mais graves, com um transtorno de luto prolongado. “Fisicamente, pode haver sintomas como fadiga, insônia, dores musculares, problemas digestivos e aumento na vulnerabilidade a doenças, uma vez que o sistema imunológico também pode ser afetado pelo estresse emocional”, diz.
Neste momento, o apoio dos familiares e amigos se torna essencial, e pequenas atitudes podem fazer toda a diferença. “O mais importante é estar presente, ouvir com empatia e sem julgamento, e evitar frases clichês como ‘o tempo cura tudo’ ou ‘você precisa seguir em frente’. Às vezes, apenas dizer ‘estou aqui para você’ ou ‘quer falar sobre isso?’ já é o suficiente. Para pessoas que ainda estão enlutadas muitos anos após a perda, é importante não minimizar a dor nem sugerir que há um ‘prazo’ para o luto. Cada pessoa tem seu tempo de processamento. Demonstrar interesse em ouvir as memórias que ela deseja compartilhar e validar seus sentimentos é uma forma poderosa de apoio. Também pode ser útil incentivar a encontrar novos significados na vida, sem pressionar a esquecer ou substituir a pessoa que se foi”, completa.

A terapia irá ajudar
Mirella explica que a terapia oferece um espaço seguro para a pessoa processar a perda, elaborar suas emoções e reconstruir sua vida após o luto. Ela diz que o profissional irá ajudar a identificar bloqueios emocionais e fornecer estratégias personalizadas para lidar com o sofrimento. “Grupos de apoio também são extremamente valiosos, pois promovem um senso de pertencimento e permitem que a pessoa compartilhe sua experiência com outras que estão passando por situações semelhantes, o que diminui a sensação de isolamento.”
Sinais que indicam a necessidade de buscar ajuda incluem: tristeza persistente por muitos meses, incapacidade de retomar as atividades cotidianas, isolamento social extremo, pensamentos suicidas, abuso de substâncias ou sintomas físicos constantes e sem causa aparente.

A importância do luto
“O luto nos ensina que a perda faz parte da condição humana e que não existe uma única maneira correta de sofrer. Cada processo de luto é único, e ele nos convida a desenvolver resiliência, compaixão e a reconhecer a importância dos vínculos afetivos. Também aprendemos a valorizar o presente e a aceitar a impermanência da vida, cultivando uma visão mais profunda sobre a fragilidade e a beleza das relações. Não é sobre ‘esquecer’ quem se foi, mas sim sobre encontrar novas formas de conexão e significado. Ele nos lembra que a dor e o amor são aspectos inseparáveis, e que, ao integrar essa experiência, podemos crescer como indivíduos e encontrar caminhos de renovação”, finaliza.