Utilizar o aparelho por muito tempo produz algo parecido a uma “drenagem cerebral”, que afeta a cognição, atenção, memória, entre outros
Desconectar-se do celular pode ser desafiador para muitas pessoas, principalmente para os brasileiros. Conforme um estudo feito com oito mil pessoas em 11 países diferentes, mostrou que nem mesmo durante as férias o brasileiro se desconecta do celular e cerca de 61% dos entrevistados afirmou que deixar celular desligado pode causar ainda mais stress e ansiedade, tornando a “tarefa” de relaxar ainda mais complicada nas férias.
A dependência do celular já é estudada pela Psicologia há um bom tempo e tem o nome de nomofobia, que é o medo ou a ansiedade pela falta do uso do celular, causando sensação de medo, irritabilidade e prejuízos na vida, como falta de sono e dificuldades em realizar tarefas corriqueiras. “O uso descontrolado do celular traz prejuízos para o cérebro, pois os comportamentos repetidos são assimilados pelo cérebro como algo que traz satisfação. Com isso, é estimulada a liberação de neurotransmissores como a dopamina, conhecida como o hormônio do prazer. Assim como no uso de drogas, o uso excessivo de celular produz uma espécie de ‘drenagem cerebral’ (preguiça mental), afetando a cognição, atenção, memória, causando impactos também na autoestima e desenvolvendo quadros de dependência”, explica a psicóloga Marília Boaron Spréa (CRP 08/13239), psicóloga especialista em Terapia Cognitivo Comportamental e Terapia do Esquema.
A psicóloga salienta que o brasileiro gasta em média 9h e 32 min por dia no celular, o que corresponde a 58% do tempo distraído, olhando para o celular. “Deixamos soltas muitas demandas emocionais que precisam de uma acomodação interna mais profunda. As telas distanciam do mundo real e o mau uso do celular produz uma série de malefícios. Os principais são os problemas nas interações sociais, prejuízos de atenção, memória, cognição, ansiedade e depressão, ainda expõe a outros riscos como bullying, assédio, cyberbullying e sexting”, pontua.
Quem sofre mais?
Marília comenta que a população jovem é a mais afetada. “Quanto mais jovem for o usuário, maior a probabilidade de ele ter o uso problemático do smartphone. O uso consciente pode até aumentar a cognição humana, porém os efeitos colaterais observados mundialmente marcam o excesso. Quase dois terços do total de usuários das redes sociais no mundo sofrem de vícios tecnológicos. Os possíveis impactos de 0 a 5 anos são os prejuízos no desenvolvimento cognitivo e linguagem, nas habilidades motoras e na regulação emocional. Para crianças de 6 a 12 anos o uso de celular compete com o tempo dedicado ao estudo e a concentração das tarefas escolares, afetando o desempenho acadêmico”, diz. “Os principais problemas das telas para os adolescentes entre 13 a 18 anos são os impactos na saúde mental. O uso excessivo pode estar relacionado à ansiedade, depressão e solidão”, acrescenta.
O excesso de tela pode prejudicar o desenvolvimento de habilidades sociais, como a capacidade de fazer amigos, comunicar e resolver conflitos. O sedentarismo devido ao uso excessivo de telas contribui para problemas de saúde como a obesidade infantil. O uso de celular antes de dormir pode interferir no sono, afetando o desempenho acadêmico e bem-estar geral e expõe a comportamentos de risco.
Reconhecendo e tratando o vício
Um passo importante para tratar a nomofobia é reconhecer que existe uma dependência do aparelho telefônico. “É importante identificar qual é o propósito do uso do celular. Todos nós podemos fazer uma avaliação contínua do nosso uso. Os indivíduos que entram sem um propósito têm mais chances de desenvolver um vício tecnológico. A recomendação é utilizar as tecnologias com um propósito específico e com uma duração limitada, ou seja, cumprir uma tarefa e em seguida cessar o uso. Usar o celular de forma intencional e, se possível, com tempo pré-determinado”, recomenda.
Explica ainda que a dependência de telas é algo que se tem notado no mundo todo e é muito tênue a linha que divide o uso saudável e o uso abusivo. “Existem alguns indícios do vício, por exemplo, incômodo ao ser interrompido. Ficar irritado ou na defensiva quando alguém diz que você já está há muito tempo no celular e pede para sair das telas. Outro sinal é a impaciência quando o indivíduo é obrigado a desligar o celular ou quando ele está num ambiente onde não tem sinal. Outros sinais mais específicos são: passar mais de 2 horas na tela, usar o celular durante as refeições e atividades de grupo, se isolar e passar pouco tempo em interações sociais reais, perder prazos na escola e momentos importantes. Se você conhece alguém (ou esse alguém é você) com esse problema e já começa a perceber consequências significativas, como negligência nos estudos, no trabalho nos relacionamentos afetivos e interpessoais, talvez seja hora de buscar ajuda”, diz.
Porém, Marília faz uma advertência importante. “Ninguém adoece sozinho.” Segundo ela, quando alguém apresenta um comportamento disfuncional pode apontar para algo mais sério, por isso, recomenda prestar atenção nas atitudes, como se comportam e como colaboram para a manutenção desse comportamento.
“O tratamento para dependência tecnológica consiste em compreender a função desse modo de funcionar, que pode estar relacionado à baixa autoestima. A orientação é buscar ajuda de um profissional psicólogo para compreender a origem e a manutenção do problema do abuso ou do uso excessivo, nesses casos a Terapia Cognitivo Comportamental pode ser uma aliada no tratamento da dependência tecnológica. Existem também Grupos de Dependências Tecnológicas. Manter-se atento e informado sobre a tecnologia e os seus efeitos colaterais”, aconselha.
Dicas importantes
Algumas dicas para estabelecer um relacionamento saudável com o celular:
- Evite checar o celular ao acordar. Levante da cama, escove seus dentes, arrume sua cama, tome café e depois olhe suas redes sociais.
- Estabeleça limites de uso diário ou então momentos em que você não pode usar o celular (refeições, antes de dormir etc).
- Priorize quem está contigo, priorize quem está ao seu redor.
- Você não precisa estar sempre disponível, se for algo urgente vai ficar sabendo de uma maneira ou outra.
- Ao falar com alguém pelos eletrônicos, preferencialmente, o faça com consciência. Dê preferência ao uso de palavra falada, pois ela é melhor do que a palavra escrita.
- Nada com o bom e velho “bloco de notas” de papel. Sua memória será mais estimulada do que pelas telas.
- Reserve um tempo livre, resista ao apego ansioso das telas. Dê um tempo e use pausas conscientes.
- Silencie-se dos ruídos digitais.
- Celulares não precisam ir ao banheiro.
- Quando precisar usar o celular seja objetivo e resolutivo e não migre para outro tema.
- Estudos mostram que as pessoas não gostam de tarefas pendentes, portanto as notificações não passam de recurso que favorece o vício. Recomenda-se retirar as notificações ou manter apenas aquelas que são indispensáveis.