Em três anos de projeto já foram distribuídas mais de cinco mil marmitas e nas entregas, além de levar o alimento, também dedicam atenção para essas pessoas
Um projeto que leva amor a quem parece invisível para o restante da sociedade. Buscando atender às necessidades de quem vive nas ruas da cidade, o Projeto de Todo o Coração distribui muito mais que alimentos, mas sorrisos e atenção a quem precisa.
A Folha conversou com três pessoas que estão à frente da ação, Aline Azevedo, Alessandra Azevedo e Caroline Viesser, que contaram um pouco mais sobre o projeto em si e também a sua história. “Em março de 2020, com a pandemia, vários restaurantes fecharam e muitas pessoas em situação de rua ficaram sem alimento algum, porque sempre acabavam pedindo alguma coisa e ganhavam. Nós compartilhamos do espírito franciscano, embora o projeto não esteja ligado a nenhuma religião em específico, e vimos que em São Paulo o Sefras, que é a Ação Social Franciscana, começaram a fazer tendas para distribuição de alimentos à população de rua na Praça da Sé”, relembra Aline.
Assim, os voluntários, especialmente o Grupo de Jovens Franciscanos, gostaram da ideia e começaram a reproduzir na cidade. Então, no dia 02 de abril de 2020 eles realizaram a primeira distribuição de alimentos pela cidade, em uma quinta-feira. Desde então, reúnem o grupo de amigos, onde uma equipe faz marmitas, outra distribui e todas colaboram de maneira escalonada.
A adesão foi bem grande, embora hoje tenha um número reduzido de voluntários comparado ao início, também por conta da rotina de trabalho e estudo nestes horários, todos são bastante engajados e vão contribuindo para as ações conforme podem.
Projeto mantido por doações
Os alimentos são arrecadados via doações feitas por pessoas que tomam conhecimento do projeto e decidem ajudar. Segundo as jovens, algumas preferem doar o alimento em si, mas também realizam arrecadações em dinheiro, roupas, cobertores, cestas básicas – levados para famílias carentes - e produtos de higiene. “Tem voluntário que não consegue ir na rota, mas quer ajudar, então se disponibiliza para fazer outras coisas, ou doar. Geralmente quem se disponibiliza para ajudar já diz o que pode fazer e nós vamos organizando”, dizem.
Elas contam que ainda na pandemia algumas famílias começaram a pedir doações de alimentos via redes sociais, algo que é realizado até hoje, pois muitas ainda não possuem um trabalho formal. Hoje, cerca de 10 famílias recebem uma cesta básica por mês e muitas vezes roupas também.
Uma quinta-feira com o projeto
As voluntárias comentam que o preparo destes alimentos inicia próximo das 17h da quinta-feira, para que o alimento chegue até a pessoa ainda quente e é feito por, pelo menos, duas pessoas. Leva em média duas horas para tudo ficar pronto e a distribuição inicia às 19h30. Além da marmita, que é bem recheada, também levam café, chá e suco.
São distribuídas em média 35 marmitas. “Se sobra, nós entregamos duas para a pessoa. Já chegamos a entregar 50 marmitas, principalmente na época das restrições da pandemia. A média de pessoas que participa nas quintas-feiras variam entre seis e dez pessoas, que são divididas em rotas”, comentam.
Elas relembram que no primeiro dia de projeto, a equipe contou com a ajuda de um casal que já realizava esse projeto, que levou até às pessoas e os apresentou. Por isso, hoje possuem alguns pontos “fixos” de entrega, onde a concentração de pessoas em situação de rua é maior e ainda assim acabam realizando rondas pela cidade, buscando quem mais podem ajudar durante a noite. Normalmente próximo das rodovias acabam tendo mais pessoas.
Ressaltam que nunca sofreram nenhum mal ao entregar estes alimentos para pessoas de rua, embora tenham já encontrado pessoas alcoolizadas ou sob influência de entorpecentes, buscando só entregar pra eles e sair, sem “incomodar”.
Histórias únicas
Nestes três anos de projeto, os voluntários acumulam histórias emocionantes para contar. Assim como tem aqueles que não querem conversa, existem também pessoas que estão precisando desabafar, pois estão na situação há muito tempo, atravessam um momento difícil.
“Sempre perguntam se somos de alguma igreja. Eles conversam bastante e a maioria das vezes a história envolve divórcio ou relacionamentos, depressão, falecimentos e vícios”, relatam.
Lembram-se se um caso específico, de um homem que conheceram já no primeiro dia de projeto, na casa dos 60 anos. “Ele era um executivo que morou na China, falava mandarim e sempre contava as mesmas histórias e experiências dele, por isso sabemos que era algo real. Ele ficou na rua porque se separou da mulher; tinha um filho que não sabíamos quem era. Ele começou a ficar muito doente na rua e nós passamos a ajudar e assistir ele com mais proximidade. Um dia ele decidiu que queria ficar bem e aceitou ajuda. Hoje, ele está totalmente transformado, ajuda no serviço administrativo da casa de repouso e visita os amigos na rua”, completam.
Contam que há pessoas em situação de rua que são fixas, de Campo Largo mesmo, porém outras que são de fora da cidade, que têm como destino Santa Catarina. Enfatizam que essas pessoas falam que Campo Largo é uma cidade diferente, bem mais humana e disposta a ajudar.
“Outra história que me marcou foi de um senhor, cabelinho branco, que estava encharcado após um dia de chuva. Nós trocamos a roupa inteirinha dele, junto com os freis. Nós decidimos ajudar, porque, provavelmente se apenas deixássemos as roupas ali elas também iriam molhar. Ele só falava assim ‘muito legal’, pois estava alcoolizado e isso acabou virando um ‘jargão’ no nosso grupo. Deixamos ele bem quentinho e vimos que ele descansou. Essas coisas vão dando forças para nós continuarmos nosso trabalho. Nós acabamos criando a consciência que não somos nós que vamos tirar eles das ruas, mas que eles vão sair quando tiverem força, é o ‘virar a chave’ e querer recomeçar. Neste meio tempo, ficamos à disposição, ajudando sempre que necessário e dando este suporte”, ressaltam.
Como ajudar
O grupo possui uma cartilha digital com dez formas de ajudar o projeto, que incluem desde doações de alimentos, roupas, participação de triagem das doações, auxiliando na confecção das marmitas e dos kits de higiene e também na rota.
Eles possuem pix para doações em dinheiro, que podem ser feitas pela chave projetodetodocoracaocl@gmail.com. Mais informações, basta entrar nas redes sociais do grupo, @projeto.detodocoracao.