Por meio desta educação é possível conhecer o próprio corpo, conceitos relativos a intimidade, limites e consentimento sobre o que pode e não pode acontecer
O mês de maio chega trazendo um tema delicado e bastante pertinente, o combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes. Conforme publicação do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2022, 76,5% dos estupros acontecem dentro de casa, onde 85,5% dos casos notificados e denunciados são meninas, mas meninos também são vítimas.
Carolina Gadens Marchiori, psicóloga especialista em Psicologia Clínica Cognitivo Comportamental e em Sexualidade Humana, explica que qualquer ação sem consentimento é considerada um abuso, desde um toque até um estupro. “A criança/adolescente ser exposto a uma situação inapropriada para a sua idade também é considerado abuso, como por exemplo a criança presenciar adultos tendo relação sexual. A melhor forma de prevenir é ensinar as crianças a identificarem comportamentos inadequados e pedir ajuda para um adulto de confiança (geralmente os principais cuidadores) caso algo aconteça. Os abusadores geralmente estão inseridos no contexto da família ou são pessoas próximas, então é importante perceber se a criança evita ficar perto de uma pessoa específica ou demonstra ter alguma reação emocional diante de algum contexto/pessoa. Isso é um sinal de alerta.”
Por isso, a educação sexual começa em casa, com a orientação dos próprios pais, afirma. “É a partir dela que começamos a ensinar as crianças alguns conceitos como intimidade, consentimento, regiões íntimas do corpo, entre outros. Dessa forma uma criança que tem essas informações estará mais consciente e informada caso um abusador se aproxime”, orienta.
A psicóloga diz ainda que esses ensinamentos devem começar desde quando a criança inicia a identificação das partes do corpo, orientando no conceito de regiões íntimas, quem pode ou não as tocar e em quais contextos, citando o exemplo de quando a mãe vai lavar durante o banho e afirmando que outra pessoa não pode ver ou tocar nas regiões íntimas dela e que ela não pode ver ou tocar a região íntima de outras pessoas. A medida que a criança for crescendo e entrar em relacionamentos – geralmente na adolescência – auxiliar a estabelecer limites que devem ser respeitados.
Sinais de abuso e o que fazer
“É possível perceber sim quando a criança sofre algum tipo de abuso. A criança pode demonstrar sinais de ansiedade - principalmente diante do abusador e podem ter sinais de depressão, como isolamento ou desânimo. Crianças que sofrem abuso geralmente demonstram ter mais conhecimento sobre assuntos relacionados à sexualidade e é muito comum também as crianças se masturbarem ou tocarem nos genitais com muita frequência”, diz.
Ela ressalta que as crianças têm curiosidade e tocam seus genitais como forma de descoberta do próprio corpo. Porém, o sinal de alerta é quando isso se torna muito frequente e quando a criança apresenta ter mais conhecimento do que outras crianças da mesma faixa etária, ocasionando em uma mudança no comportamento. As escolas podem identificar alguns comportamentos já que é comum que ocorram nesse contexto.
“É muito comum o abusador ameaçar a criança de que se ela contar sobre o abuso algo ruim vai acontecer, então a postura do adulto deve ser de acolhimento e esclarecimento de que ele é o adulto que vai protegê-la e que ela pode confiar nele para contar sobre qualquer coisa. E de fato acolher quando ela falar, independente de quem seja o abusador”, orienta.
Carolina relembra que já atendeu casos em que o adolescente não contou para os pais por achar que seu pai “mataria” o abusador e poderia ir preso. “É importante que os adultos ajam com cautela diante da informação. A vítima já sente culpa pelo que ocorreu ou ocorre porque geralmente o abusador faz com que ela sinta isso. Assim, o papel do adulto é acolher, esclarecer que ela foi uma vítima da situação, protegê-la e denunciá-lo, evitando ‘fazer a justiça com as próprias mãos’, já que muitos não contam por isso”, diz.
A partir do momento que essa vítima conta sobre o abuso, a recomendação é que o adulto deve afastar essa criança imediatamente do abusador e denunciá-lo. A psicóloga acrescenta que independente do que a criança lembra ou não, se há suspeita de abuso essa criança já deve ser protegida e ouvida. “A Psicoterapia tem um papel importante em ajudar essa criança a verbalizar o que ocorreu. É muito comum que o abusador ‘confunda’ essa criança, falando que é ‘carinho’ ou ‘brincadeira’, quando é abuso”, retrata.
Consequências e tratamento
O atendimento dessa vítima deve ser iniciado imediatamente após constatado o abuso. “Na vida adulta é muito comum em pessoas que sofreram abuso terem como consequência um transtorno depressivo e/ou disfunções sexuais. É comum que adultos que sofreram abuso na infância tenham dificuldade em vivenciar a sua sexualidade de maneira positiva, geralmente tentam se esquivar de contatos sexuais, já que algo tão ruim ocorreu envolvendo esse contexto”, evidencia.
O tratamento é importante também para evitar que pessoas que sofreram este abuso repitam com outras crianças no futuro, visto que é muito comum que adolescentes abusadores também tenham sido vítimas de abuso ou estejam inseridos em um ambiente abusivo e acabam reproduzindo esse comportamento, retrata Carolina.
Programação Maio Laranja
Durante todo o mês de maio serão realizadas ações de conscientização, eventos, debates e palestras com o objetivo de lutar contra este tipo de violência que devasta a infância - e em muitos casos, mata. Um dos principais objetivos da campanha é promover os telefones para denúncias anônimas: Disque 100, Disque 181 (Polícia Militar) ou 153 (Guarda Municipal).
Neste sábado, dia 20 de maio, às 14h30, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, traz para Campo Largo a peça de teatro “O Segredo”, da Companhia Cenatrupe. O espetáculo conta de forma lúdica a história de uma tartaruga que não acolhe as orientações da avó e da escola sobre abuso e exploração sexual infantil e acaba se tornando vítima. A peça tem indicação para crianças a partir de 4 anos. A apresentação é gratuita e será na Praça Getúlio Vargas (praça do Museu).
Nos dias 25 e 31 de maio, outra atividade voltada às crianças vai acontecer na Escola Municipal Augusto Pires de Paula, no Três Córregos. Técnicos e educadores da assistência social vão realizar atividades lúdicas abordando a prevenção ao abuso sexual infantil.
Para marcar o encerramento da Campanha Maio Laranja, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, promove palestra alusiva ao tema no dia 24 de maio, no auditório da Câmara Municipal de Campo Largo, com a professora universiária da UEPG Cleide Lavoratti, que é doutora em Sociologia pela UFPR e especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pela (USP). A palestra é voltada para assistentes sociais, educadores, conselheiros tutelares, agentes de segurança pública e demais interessados em saber como proteger crianças e adolescentes de abusos sexuais.