Sexta-feira às 01 de Novembro de 2024 às 06:35:08
Geral

Famílias e escolas devem ficar atentas à necessidade de acompanhamento psicológico em crianças e adolescentes

Transtorno mental não tratado, falta de aceitação e negligência, ambiente violento, exposição a conteúdos sensíveis e grupos extremistas podem influenciar na tomada de decisão por ataques

Famílias e escolas devem ficar atentas à necessidade de acompanhamento psicológico em crianças e adolescentes

As notícias sobre ataques ou ameaças em várias instituições de ensino brasileiras levantam na sociedade a dúvida quanto aos fatores que levam uma criança ou adolescente a cometer tal ato. Assuntos como distúrbios mentais, bullying e até mesmo a negligência e abandono das famílias vêm a tona e uma conscientização maior sobre o assunto então se inicia.

A Folha de Campo Largo conversou com a psicóloga Letícia Gonçalves (CRP 08/2412), psicóloga infantil com formação em Neuropsicologia pela Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP), que explica que famílias e escolas não devem ignorar sinais de transtornos mentais ou reclamações vindas das crianças e adolescentes, necessitando de avaliações sobre a situação e quando necessário diagnóstico e tratamento correto.

“Esses ataques que temos visto nos levam a uma reflexão sobre qual a educação que estou passando para o meu filho, será que estou passando valores, ética para eles, ou posso estar negligenciando algum aspecto em casa? Da mesma forma, além do alerta para segurança física, fica a advertência de prestar atenção em sintomas de situações que não estão certas e que possa passar por alto, momento em que se deve buscar ajuda. Há muitos profissionais na área da Psicologia capacitados para trabalhar com crianças e adolescentes, então a família não deve se sentir sozinha neste momento.”

Ela indica ainda que a escola deve ser um ambiente acolhedor, podendo também criar meios de discutir a saúde mental com crianças e adolescentes. Pontua que criar estes momentos de ouvir, como em rodas de conversa, por exemplo, pode auxiliar o estudante a compreender o que está sentindo e identificar a necessidade de buscar ajuda com profissionais especializados em saúde mental. “Nós sabemos que muitas vezes eles não encontram estes locais na família e buscam em ambientes inadequados, como a internet. Não podemos ignorar nenhum sinal ou reclamação da criança e do adolescente. Se ele existe, precisa ser identificado, diagnosticado corretamente e tratado”, alerta.

Perfil e necessidade de atenção
A psicóloga explica que é difícil apontar um perfil específico de estudantes propensos a cometer um ataque, mas há fatores influenciadores que podem impulsionar essa decisão. “Pesquisas indicam que são pessoas que buscam na internet um acolhimento ou pertencimento a grupos. Essas pessoas podem ter histórico de abandono, violência na infância, exclusão – não se encontraram ou não se encaixaram em grupos,  e por meio das redes sociais, principalmente, se identificaram com grupos extremistas e ali, de uma maneira, se sentiram acolhidos”, retrata.

Outro fator é a exposição à violência que vem de casa, incluindo o autoritarismo parental e a negligência, que podem contribuir para um perfil violento desta criança ou adolescente, acrescido de um transtorno mental sem diagnóstico ou acompanhamento, que podem agravar com a falta de socialização nas escolas.

“É difícil dizermos sinais que devem ser observados porque acaba sendo muito variável, mas devemos ter atenção com discurso de ódio e falas violentas, que podem apontar para um sofrimento e temos que acolher quem está sofrendo”, diz.  
Por isso, alerta sobre a importância da mídia trabalhar estes casos com certa delicadeza, não promovendo o sensacionalismo ou dando visibilidade ao agressor. “Por mais que não tenha sido divulgada a identidade da pessoa, ela atinge essa exposição, criando um sentimento de validação pela mídia ou pela sociedade”, completa.
Para o estudante vítima de uma situação como o ataque em uma escola, ficam o medo, estresse pós-traumático, ansiedade e nervosismo, que devem ser tratados.

Tudo na conta do bullying ou dos jogos?
“Uma questão que temos que tomar cuidado é ao falar sobre bullying. Sabemos que 30% a 40% das crianças em idade escolar irão sofrer bullying, mas o que precisamos ter consciência é que a maioria não irá cometer estes crimes. O mesmo se dá para jogos violentos de videogame. Não podemos dizer que todos os jogos de videogame irão ocasionar crimes nas escolas. Temos um contexto a ser analisado”, alerta a especialista.
Letícia completa ainda que a exposição exagerada a conteúdos sensíveis, excesso de telas e pouco diálogo na família podem sim ser suscetíveis a essas situações, mas que coisas isoladas não irão ocasioná-las. Retrata ainda que a falta de diálogo e atenção, isolamento, exposição a conteúdos inadequados desde crianças muito pequenas dentro de casa irão impactar na formação delas e há probabilidade de acontecer.
“Nós temos que lembrar que se tratam de crianças e jovens, com cérebro em desenvolvimento. Temos áreas que são responsáveis pelo controle dos impulsos completamente formadas somente por volta dos 24 anos. Se temos uma família que não dá orientação ou suporte, se tornará mais difícil da criança ou adolescente estabelecer limite do que deve ou não ser feito. A orientação familiar é fundamental e imprescindível neste momento”, orienta.

Pandemia mostra seu impacto
Apesar de hoje a sociedade não enfrentar mais o isolamento social e a pandemia de Covid-19, os momentos vivenciados entre 2020 e 2021 ainda estão sendo sentidos em várias camadas sociais. “O fato de permanecermos isolados, com escolas fechadas, socialização, impactou na saúde mental das pessoas e nas rotinas. Os jovens tiveram essa interação bloqueada e mergulharam na internet”, retrata.
Diz também que a questão de violência está muito associada à internet, e especialmente ligada com uso desenfreado na rotina das famílias. ”Esse período de pandemia que passamos o cérebro de muitas crianças e jovens estavam em desenvolvimento, onde as experiências são importantes. Porém, com o isolamento, houve uma lacuna no aspecto destas interações e formações bagagens e afetaram a formação do cérebro. Pesquisa nos indicam que um número relativamente alto de alunos voltaram para a escola após este período com algum impacto ou transtorno mental e que casos de violência se tornaram mais frequentes na rotina escolar, por isso o contexto e a sintomática de cada criança e adolescente deve ser levado em consideração em cada caso, sempre buscando a ajuda mais adequada e pertinente”, finaliza.