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De poetiza e catadora de latinhas à vereadora

Um dos maiores marcos na política campo-larguense foi a eleição da catadora de latinhas e poetiza Tereza da Latinha, batizada de Tereza de Jesus Moraes.

De poetiza e catadora de latinhas à vereadora

Um dos maiores marcos na política campo-larguense foi a eleição da catadora de latinhas e poetiza Tereza da Latinha, batizada de Tereza de Jesus Moraes. Eleita aos 51 anos, para a gestão do ano de 2005 a 2008, ela recebeu 2.771 votos, ultrapassando o segundo colocado em mais de mil votos. Se foi por protesto às opções de candidatos existentes na época já é passado, o fato é que ela marcou a história da cidade, tornando-se notícia nacional, nome de rua no Itaqui e até mesmo livro.

Nascida em 10 de outubro de 1953, como cita o livro “Tereza a Poetiza das Latinhas”, de Luiz Zanotti, sendo a “filha caçula de uma pródiga família de dez filhos gerados por Vadislau Karash e Leocádia Novak Karash. Ela nasceu numa localidade chamada Dom Rodrigo, na propriedade rural da família Portela”.

Apesar do seu lado sério e maduro, Tereza cultivava em si uma grande afinidade com as crianças, que conquistava com suas palavras, brincadeiras e também com as balinhas que carregava no bolso de sua blusa. Foi mãe de seis filhos, sendo que, infelizmente, somente três sobreviveram – Márcia, Adão e Eva.

Chegou a trabalhar em uma fábrica, seu único emprego de carteira assinada, mas pediu demissão após uma série de infortúnios. Também foi diarista e jardineira, sendo a crise nos anos 2000 que a fez entrar para o “mundo dos catadores de latinha”. Também vendia jornais, inclusive da Folha de Campo Largo, e tinha uma lojinha em sua casa.

Segundo o livro, “logo que ficou ligeiramente restabelecida da perna quebrada, Tereza voltou à sua rotina diária da venda de jornais, da coleta de latinhas e artigos para a lojinha em sua casa, percorrendo os vários bairros de Campo Largo, indo inclusive na Prefeitura e na Câmara Municipal, sem ainda vislumbrar que um dia ela lá estaria, não como uma simples jornaleira e sim como uma figura ilustre, responsável e defensora dos oprimidos, cobrando um lugar ao sol também para os coletores, para os jornaleiros e todos demais trabalhadores, um lugar longe dos buracos que a estrada da vida nos oferece”.

No ano de 2002 – aproximadamente – a futura vereadora foi convidada por Júlio Torres, para se filiar ao partido PPS, tendo frequentado várias reuniões do diretório municipal, teve sua candidatura incluída na chapa dos candidatos às cadeiras de vereadores. A campanha foi feita de casa em casa, desde o mais humilde na periferia até o mais abastado em bairros da classe média.  

Tereza era motivada pela possibilidade de construir um futuro melhor, lutando pela Ecologia e também pela Saúde Pública, visto que entendia a importância do acompanhamento à gestante e às crianças pequenas após ter sofrido duras perdas de seus três filhos, e também a luta contra a fome.

“No início da sua triunfante caminhada rumo à Câmara Municipal, Tereza não contou com nenhum apoio em sua casa, Eva nos conta que no dia em que sua mãe chegou em casa e falou que ia ser candidata, todo mundo levou aquela notícia como uma piada, e nem mesmo prestaram atenção ao fato que a partir daquela época, a candidata dos mais humildes começou a chegar mais tarde em casa”, traz o livro.

Criticada por sua candidatura, Tereza apenas respondia com poesias. A eleição veio, junto dos muitos votos de confiança depositados à batalhadora mulher. “Pouco depois Tereza foi  chamada para o seu discurso, sendo muito ovacionada pela população local, e sem nenhum papel previamente escrito para ler, somente usando a voz do coração, iniciou o comovente discurso: Boa noite povão,/ não adianta falar e/ ninguém nada poder aproveitar./ Falo lentamente,/ aquilo que meu coração está vendo pela frente./ Falo de coração, toda esta votação,/ se precisarem de mim/ podem contar comigo na Câmara/ com certeza/ pode contar que pra vocês eu vou votar/ maior alegria é ser princesa/ conte com a Tereza”, tendo sua “ficha caído” apenas 15 dias após a eleição.

Tereza era mulher de grande fé. No livro, o autor escreve que ela foi criada na fé católica, e o ofício de benzedeira, ensinados pela sua avó, Dona Madalena. “A sua profunda devota pela religião, além de sua forte ligação com tudo o que é Sagrado, a levou por um caminho iluminado e por foi assim que ela aprendeu a criar e fazer orações para ajudar as pessoas, na sua humildade ela mostra toda a sua sabedoria ao falar que não importa muito com que palavras a oração é proferida e sim com a força que ela é dita, pois o poder da cura está na fé e não em palavras vazias, para se alcançar os ouvidos de Deus é preciso dar vida para as palavras, fazê-las voar para a eternidade feito pássaros de luz”, descreve o autor.

Um fato curioso de um benzimento realizado no gabinete, logo após ser eleita. Segundo o livro, um casal com um bebê chegou à sala, e o bebê tinha um machucado no pé, já tinham levado ele no médico, mas não havia resolvido a doença, sendo constatado por Tereza como “cobreiro de sapo”, um tipo de uma assadura muito comum no interior. Ela benzeu a criança, que já estava sem sintomas no dia seguinte.

“É final do dia de trabalho no gabinete da Câmara, e ela após ter atendido a quase duzentas pessoas neste dia, não parece cansada e sim como se tivesse acabado de levantar de um sono que a revitalizou, ela com a sua calma e segurança obtida ao atravessar os mais difíceis momentos nos apresenta sempre uma segurança de quem acredita que está sendo guiada por uma luz divina, que nunca a abandonara”.

“Mas sei o que quero. Vou fazer política para ajudar a melhorar a vida das pessoas da minha cidade. E eu conheço bem estas pessoas, sei do que precisam”, declarou ela em entrevista à Tribuna do Paraná, no ano de 2004.

Tereza da Latinha faleceu em 10 de novembro de 2012, quando sofreu um infarto e foi encontrada caída em uma rua do bairro Itaboa. Ela foi sepultada no Cemitério Santo Ângelo. Hoje, uma rua no bairro Jardim Itaqui leva o seu nome, projeto aprovado no ano de 2015.


Fonte: Livro “Tereza, a poetiza das Latinhas”, de Luiz Zanotti, publicado em 2009.
“Tereza da Latinha faz planos”, publicado por Tribuna do Paraná em 2004.