Domingo às 02 de Fevereiro de 2025 às 11:17:37
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Lei que limita uso de celulares nas escolas destaca preocupações sobre vício em tecnologia em estudantes

Lei que limita uso de celulares nas escolas destaca  preocupações sobre vício em tecnologia em estudantes

Foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na metade do mês de janeiro, o projeto de lei que regulamenta a utilização de aparelhos eletrônicos portáteis, incluindo celulares, por estudantes em instituições de ensino público e privado, válido para todo o país. Segundo a justificativa apresentada pelo Governo Federal, a medida visa “salvaguardar a saúde mental, física e psíquica de crianças e adolescentes, promovendo um ambiente escolar mais saudável e equilibrado”.
Assim, conforme a Lei nº 15.100/2025, é vedado o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante aulas, recreios e intervalos em todas as etapas da educação básica. A vedação não se aplica ao uso pedagógico desses dispositivos. As exceções são permitidas apenas para casos de necessidade, perigo ou força maior. A lei também assegura o uso desses dispositivos para fins de acessibilidade, inclusão, condições de saúde ou garantia de direitos fundamentais.  
Com a proximidade do início das aulas, que em Campo Largo começarão já no próximo dia 05 de fevereiro, muitas famílias e responsáveis por crianças e adolescentes se perguntam sobre os benefícios e os malefícios do uso desta tecnologia no dia a dia dos estudantes. Por isso, a Folha conversou com a psicóloga Ana Luísa Schimidt, que explicou um pouco mais sobre a influência destes aparelhos eletrônicos na vida dos estudantes.
“Os aparelhos eletrônicos possuem a função de um facilitador, tanto no sentido de diminuir distância física por meio das maneiras de comunicação e também na procura e obtenção de notícias, informações e pesquisas. Com o passar do tempo, sua função foi se desenvolvendo e mudando para também ser uma forma de prazer e de entretenimento. Com relação ao processo de aprendizagem, as telas são um recurso muito interessante, se utilizadas de forma coerente, adequada e supervisionada, funcionando enquanto um suporte para estudo, para obtenção de maiores informações. Porém, a partir do momento em que os aparelhos eletrônicos passam a ser utilizados sem restrição ou supervisão, tornando-se fatores de distração, é possível observar os impactos negativos. Estratégias de ‘enganação’ vão ‘alimentando’ o nosso cérebro a sempre buscar o caminho mais fácil e prazeroso.”
Entre essas estratégias de “enganação” apresentadas pela psicóloga está a atitude de assistir vídeos de maneira repetitiva, deixando de lado uma tarefa ou a retomada de conteúdos da escola, bem como a utilização da inteligência artificial para resolver uma atividade do que parar para realmente fazer e pensar, por exemplo. “A perda de interesse, foco e atenção em pouco tempo diante das aulas são efeitos muito comuns do uso exagerado e sem supervisão das tecnologias, além também da não realização de atividades e tarefas, queda de notas, dificuldade de relacionamento com os colegas (interações sociais), e repertório social baseado somente nos conteúdos dos jogos e vídeos consumidos (dificuldades de comunicação). Como o cérebro pode ficar sobrecarregado devido à quantidade de conteúdos e estímulos recebidos, podem ocorrer episódios de perdas de memórias, ocasionando assim em uma dificuldade de aprendizado”, evidencia.
Ela segue explicando que, ao utilizar telas, a tendência é que as pessoas deem atenção somente ao que interessa, e, quando se depara com um conteúdo pouco atraente, em milésimos de segundos é possível sair dele. “Dentro do nosso desenvolvimento e do processo de aprendizado, encontramos várias vezes com matérias e conteúdos que às vezes não possuímos uma grande afinidade, e não é possível ‘arrastar o dedo para isso sumir’. Assim, o que acontece é o cérebro buscar formas de se satisfazer e se recompensar, assim como se aprende com os aplicativos, desviando a atenção e o interesse daquele momento” acrescenta.
Entre outros prejuízos relacionados ao uso excessivo de temas são relacionados: dificuldades com sono, irritabilidade, perda no desenvolvimento de estratégias de comunicação, isolamento social, problemas relacionados à visão, ansiedade e perda de interesse e entre outros.

Nomofobia
“O uso excessivo de telas pode causar dependência, que é chamada de nomofobia, o medo irracional de ficar sem o aparelho celular, sem as telas, como se algo terrível fosse acontecer, é muito sério que mobiliza muita pesquisa atualmente, e que em casos extremos pode causar ansiedade, tremores, falta de ar, sudorese, tontura e até mesmo ataque de pânico quando a pessoa se encontra sem seu aparelho móvel”, explica.
A psicóloga Ana Luísa acrescenta que é necessário prestar atenção quando os impactos começam a aparecer na rotina, para aplicar estratégias a fim de conseguir, de alguma forma, intervir e buscar meios de reverter essa situação.
“Muitos pais percebem a interferência e impactos das telas, mas ainda existem grandes dúvidas em como retomar e reverter a situação, uma vez que os aparelhos eletrônicos passam a fazer parte alterando a rotina da família. Percebo que, principalmente com crianças, os pais compreendem a facilidade da utilização dos aparelhos eletrônicos como um sinônimo de aprendizado e inteligência, mas nessa fase do desenvolvimento se faz muito importante e necessário o contato com outros tipo de estímulos, como jogos, brinquedos e livros. Por mais que as telas parecem ser algo benéfico e de aprendizado, é muito importante tomar cuidado para que isso não se torne uma dependência”, orienta.
Parceira entre família e escola
De maneira direta, a psicóloga destaca que a comunicação entre família e escola é um dos pilares para manterem as crianças e adolescentes a salvo dos vícios e danos causados pelas telas. “A redução e que novos combinados visam o bem-estar, segurança e a possibilidade de um maior aprendizado e desempenho escolar. As ferramentas tecnológicas utilizadas para educação como aplicativos e plataformas são fontes muito importantes de aprendizado e de aproximação da escola com o aluno. É necessário a escola informar os responsáveis sobre a função e o objetivo das ferramentas, para que assim seja possível também realizar um acompanhamento, garantindo a sua funcionalidade de maneira correta e como um suporte para o aprendizado”, enfatiza.
Relembra que são os pais e responsáveis que devem estabelecer limites, regras e combinados relacionados ao uso de tela, enfatizando que isso funciona também enquanto uma forma de auxiliar e de regular as crianças e adolescentes, além de possibilitar uma maior consciência do seu papel e responsabilidade.
“Hoje existem diversos aplicativos que podem também servir enquanto auxiliares neste processo, aplicativos que possibilitam acompanhar e restringir horários e conteúdos no celular, tablet ou computador dos filhos, sempre relembrando de que isto não é uma forma de punição ou um castigo, mas sim uma forma de cuidado, de acompanhamento. Insira também na rotina das crianças e dos adolescentes momentos, atividades e tarefas que não necessitem da utilização das telas, como por exemplo, momentos de lazer, leituras, brincadeiras, jogos de tabuleiros e cartas, entre outros”, completa.
Segundo a psicóloga, a escola é um local neutro e de aprendizado, pontuando que há necessidade de modernização e inclusão de tecnologias, porém, sem interferências externas. “O ambiente escolar é um ambiente rico para desenvolvimento interpessoal, para consolidação de julgamentos, para adquirir aprendizados e para aprender a se relacionar com diferentes pessoas”, acrescenta.

Internet é capaz de moldar caráter?
Questionada sobre se o acesso aos conteúdos de maneira “indiscriminada” por parte das crianças e adolescentes, sem uma supervisão ou mesmo interação por parte dos pais e responsáveis com elas poderiam resultar em mudanças de atitude e moldar o caráter delas de alguma forma, a psicóloga explica que as telas, os jogos, a internet, são capazes de criar um mundo que não é real. “Claro que se utilizada com cautela, você pode garantir um lazer e um momento de descontração. Porém, para uma criança e um adolescente em um momento tão importante e desafiador do desenvolvimento, o uso ilimitado e sem supervisão se torna a possibilidade de se isolar em um mundo em que possui acesso a apenas o que gosta, ao que se interessa, de maneira fácil e rápida, sem esperar”, pontua.
Explica que isso pode gerar riscos que vão para além da educação, uma vez que é nessa fase da vida que o julgamento e que o senso do que é certo e errado está se desenvolvendo, como, por exemplo, se colocar em situações de risco relacionadas à exposição, ter acesso a conteúdos e informações que não fazem parte do mundo das crianças e adolescentes, acabar, pela necessidade de se sentir pertencente em um grupo praticar ou ser vítima de situações de cyberbullying.
“É possível reverter o cenário, mas para isso é preciso existir comunicação entre os responsáveis e a criança ou adolescente, existir combinado e regras referentes ao tempo de uso e aos conteúdos acessados, um acompanhamento destes momentos, além também do incentivo para o envolvimento em atividades que não necessitem das telas”, finaliza.