Foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na metade do mês de janeiro, o projeto de lei que regulamenta a utilização de aparelhos eletrônicos portáteis, incluindo celulares, por estudantes em instituições de ensino público e privado, válido para todo o país. Segundo a justificativa apresentada pelo Governo Federal, a medida visa “salvaguardar a saúde mental, física e psíquica de crianças e adolescentes, promovendo um ambiente escolar mais saudável e equilibrado”.
Assim, conforme a Lei nº 15.100/2025, é vedado o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante aulas, recreios e intervalos em todas as etapas da educação básica. A vedação não se aplica ao uso pedagógico desses dispositivos. As exceções são permitidas apenas para casos de necessidade, perigo ou força maior. A lei também assegura o uso desses dispositivos para fins de acessibilidade, inclusão, condições de saúde ou garantia de direitos fundamentais.
Com a proximidade do início das aulas, que em Campo Largo começarão já no próximo dia 05 de fevereiro, muitas famílias e responsáveis por crianças e adolescentes se perguntam sobre os benefícios e os malefícios do uso desta tecnologia no dia a dia dos estudantes. Por isso, a Folha conversou com a psicóloga Ana Luísa Schimidt, que explicou um pouco mais sobre a influência destes aparelhos eletrônicos na vida dos estudantes.
“Os aparelhos eletrônicos possuem a função de um facilitador, tanto no sentido de diminuir distância física por meio das maneiras de comunicação e também na procura e obtenção de notícias, informações e pesquisas. Com o passar do tempo, sua função foi se desenvolvendo e mudando para também ser uma forma de prazer e de entretenimento. Com relação ao processo de aprendizagem, as telas são um recurso muito interessante, se utilizadas de forma coerente, adequada e supervisionada, funcionando enquanto um suporte para estudo, para obtenção de maiores informações. Porém, a partir do momento em que os aparelhos eletrônicos passam a ser utilizados sem restrição ou supervisão, tornando-se fatores de distração, é possível observar os impactos negativos. Estratégias de ‘enganação’ vão ‘alimentando’ o nosso cérebro a sempre buscar o caminho mais fácil e prazeroso.”
Entre essas estratégias de “enganação” apresentadas pela psicóloga está a atitude de assistir vídeos de maneira repetitiva, deixando de lado uma tarefa ou a retomada de conteúdos da escola, bem como a utilização da inteligência artificial para resolver uma atividade do que parar para realmente fazer e pensar, por exemplo. “A perda de interesse, foco e atenção em pouco tempo diante das aulas são efeitos muito comuns do uso exagerado e sem supervisão das tecnologias, além também da não realização de atividades e tarefas, queda de notas, dificuldade de relacionamento com os colegas (interações sociais), e repertório social baseado somente nos conteúdos dos jogos e vídeos consumidos (dificuldades de comunicação). Como o cérebro pode ficar sobrecarregado devido à quantidade de conteúdos e estímulos recebidos, podem ocorrer episódios de perdas de memórias, ocasionando assim em uma dificuldade de aprendizado”, evidencia.
Ela segue explicando que, ao utilizar telas, a tendência é que as pessoas deem atenção somente ao que interessa, e, quando se depara com um conteúdo pouco atraente, em milésimos de segundos é possível sair dele. “Dentro do nosso desenvolvimento e do processo de aprendizado, encontramos várias vezes com matérias e conteúdos que às vezes não possuímos uma grande afinidade, e não é possível ‘arrastar o dedo para isso sumir’. Assim, o que acontece é o cérebro buscar formas de se satisfazer e se recompensar, assim como se aprende com os aplicativos, desviando a atenção e o interesse daquele momento” acrescenta.
Entre outros prejuízos relacionados ao uso excessivo de temas são relacionados: dificuldades com sono, irritabilidade, perda no desenvolvimento de estratégias de comunicação, isolamento social, problemas relacionados à visão, ansiedade e perda de interesse e entre outros.
Nomofobia
“O uso excessivo de telas pode causar dependência, que é chamada de nomofobia, o medo irracional de ficar sem o aparelho celular, sem as telas, como se algo terrível fosse acontecer, é muito sério que mobiliza muita pesquisa atualmente, e que em casos extremos pode causar ansiedade, tremores, falta de ar, sudorese, tontura e até mesmo ataque de pânico quando a pessoa se encontra sem seu aparelho móvel”, explica.
A psicóloga Ana Luísa acrescenta que é necessário prestar atenção quando os impactos começam a aparecer na rotina, para aplicar estratégias a fim de conseguir, de alguma forma, intervir e buscar meios de reverter essa situação.
“Muitos pais percebem a interferência e impactos das telas, mas ainda existem grandes dúvidas em como retomar e reverter a situação, uma vez que os aparelhos eletrônicos passam a fazer parte alterando a rotina da família. Percebo que, principalmente com crianças, os pais compreendem a facilidade da utilização dos aparelhos eletrônicos como um sinônimo de aprendizado e inteligência, mas nessa fase do desenvolvimento se faz muito importante e necessário o contato com outros tipo de estímulos, como jogos, brinquedos e livros. Por mais que as telas parecem ser algo benéfico e de aprendizado, é muito importante tomar cuidado para que isso não se torne uma dependência”, orienta.
Parceira entre família e escola
De maneira direta, a psicóloga destaca que a comunicação entre família e escola é um dos pilares para manterem as crianças e adolescentes a salvo dos vícios e danos causados pelas telas. “A redução e que novos combinados visam o bem-estar, segurança e a possibilidade de um maior aprendizado e desempenho escolar. As ferramentas tecnológicas utilizadas para educação como aplicativos e plataformas são fontes muito importantes de aprendizado e de aproximação da escola com o aluno. É necessário a escola informar os responsáveis sobre a função e o objetivo das ferramentas, para que assim seja possível também realizar um acompanhamento, garantindo a sua funcionalidade de maneira correta e como um suporte para o aprendizado”, enfatiza.
Relembra que são os pais e responsáveis que devem estabelecer limites, regras e combinados relacionados ao uso de tela, enfatizando que isso funciona também enquanto uma forma de auxiliar e de regular as crianças e adolescentes, além de possibilitar uma maior consciência do seu papel e responsabilidade.
“Hoje existem diversos aplicativos que podem também servir enquanto auxiliares neste processo, aplicativos que possibilitam acompanhar e restringir horários e conteúdos no celular, tablet ou computador dos filhos, sempre relembrando de que isto não é uma forma de punição ou um castigo, mas sim uma forma de cuidado, de acompanhamento. Insira também na rotina das crianças e dos adolescentes momentos, atividades e tarefas que não necessitem da utilização das telas, como por exemplo, momentos de lazer, leituras, brincadeiras, jogos de tabuleiros e cartas, entre outros”, completa.
Segundo a psicóloga, a escola é um local neutro e de aprendizado, pontuando que há necessidade de modernização e inclusão de tecnologias, porém, sem interferências externas. “O ambiente escolar é um ambiente rico para desenvolvimento interpessoal, para consolidação de julgamentos, para adquirir aprendizados e para aprender a se relacionar com diferentes pessoas”, acrescenta.
Internet é capaz de moldar caráter?
Questionada sobre se o acesso aos conteúdos de maneira “indiscriminada” por parte das crianças e adolescentes, sem uma supervisão ou mesmo interação por parte dos pais e responsáveis com elas poderiam resultar em mudanças de atitude e moldar o caráter delas de alguma forma, a psicóloga explica que as telas, os jogos, a internet, são capazes de criar um mundo que não é real. “Claro que se utilizada com cautela, você pode garantir um lazer e um momento de descontração. Porém, para uma criança e um adolescente em um momento tão importante e desafiador do desenvolvimento, o uso ilimitado e sem supervisão se torna a possibilidade de se isolar em um mundo em que possui acesso a apenas o que gosta, ao que se interessa, de maneira fácil e rápida, sem esperar”, pontua.
Explica que isso pode gerar riscos que vão para além da educação, uma vez que é nessa fase da vida que o julgamento e que o senso do que é certo e errado está se desenvolvendo, como, por exemplo, se colocar em situações de risco relacionadas à exposição, ter acesso a conteúdos e informações que não fazem parte do mundo das crianças e adolescentes, acabar, pela necessidade de se sentir pertencente em um grupo praticar ou ser vítima de situações de cyberbullying.
“É possível reverter o cenário, mas para isso é preciso existir comunicação entre os responsáveis e a criança ou adolescente, existir combinado e regras referentes ao tempo de uso e aos conteúdos acessados, um acompanhamento destes momentos, além também do incentivo para o envolvimento em atividades que não necessitem das telas”, finaliza.
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