A criança ainda precisa de auxílio e tempo para absorver novas aprendizagens e então elaborar características que formarão sua identidade
Todos querem alcançar algo, mas para muitos é difícil realmente saber onde se quer chegar. Por isso, esse meio do caminho acaba ficando turbulento, sem saber para que direção seguir, já que o final dele não está bem claro. Final de ano é sempre tempo de reflexão e muitos questionamentos vêm à mente, mas a verdade é que esse processo de identidade e de saber seu propósito aqui neste mundo é um exercício que deve iniciar desde a infância.
A Folha buscou mais informações com a psicopedagoga Joyce Mendes, também neuropsicopedagoga e coach educacional. Segundo ela, “desde muito cedo a construção de identidade e de propósitos estão intimamente atrelados, sendo que a infância é um momento muito oportuno para conduzir a possibilidades e oportunidades de formação social e emocional que terão grande impacto nas fases subsequentes, ou seja, influenciará de maneira crucial na relação do indivíduo com o seu futuro. É na infância que ocorre a etapa mais importante das nossas vidas, é ela quem explica o adulto que nos tornamos e é para ela que recorremos para resolver questões ligadas à identidade, caráter e propósito”.
O estágio de maior desenvolvimento e aprendizado do cérebro ocorre durante o desenvolvimento infantil, durante o período em que habilidades de pensar, falar, aprender e raciocinar são construídas e aprimoradas. Estudos apontam que aproximadamente 90% do desenvolvimento cerebral ocorre nos primeiros seis anos de vida, devido aos esquemas neurofisiológicos que se desenvolvem nessa idade e que definem em grande parte a natureza e a extensão das capacidades adultas.
De que maneira podemos auxiliar para o
pleno desenvolvimento das capacidades infantis?
A brincadeira é uma forte aliada. Mais do que uma simples diversão, é um importante recurso de aprendizado e ideal para a construção de identidade e propósito do indivíduo, pois é através dela que a criança irá expressar suas emoções, a sua realidade e projetar seu futuro. Joyce explica que por meio do brincar, as crianças podem aprender tão bem, ou até melhor do que pela instrução direta e tradicional. Quando proposta de forma guiada e intencional como reforçadora de alguma demanda, embora discretamente dirigidas por um adulto, dão às crianças a liberdade de explorar um objetivo de aprendizagem à sua maneira e criar seus próprios propósitos mediante as propostas apresentadas.
Ela orienta que atividades que envolvem o brincar ajudam a desenvolver habilidades cognitivas e aumentam o repertório de habilidades socioemocionais da criança, o que servirá de pilar para o pleno desenvolvimento posteriormente. No ato de brincar a criança relaciona-se consigo mesma, conhece suas singularidades e amplia seu olhar sobre as relações biopsicossociais.
Algumas dicas são importantes para ampliar possibilidades com as crianças acerca da definição de identidade e propósito em meio à relação com o brincar na convivência familiar e demais agentes sociais, tais como escola e outros condutores nessa formação.
“Com relação ao propósito, este irá se definir à medida que evidenciamos às crianças o que agrega nossos princípios e valores, de modo a estimulá-las a constituir o molde da sua personalidade, incentivando a construção de características fundamentais para este aspecto. Dentre as características podemos destacar: a persistência, a inteligência emocional nas relações intra e interpessoais, visão otimista sobre os desafios, valorização de talentos pessoais, definição de certo e errado, interesses, construção da autonomia e responsabilidades, visão de pertencimento são algumas das condições que irão auxiliar nesta construção”, explica.
Quando estimuladas essas práticas também potencializa-se outras capacidades, tais como aumento das habilidades de planejamento e organização, de modo que através da brincadeira intencional cria-se um impacto positivo no aprendizado referente à condução projetada com sequências de etapas, manifestação criativa e segurança das crianças por meio da previsibilidade.
Outro benefício importante para esse contexto diz respeito ao aprimoramento das funções executivas: essas habilidades mentais permitem que as crianças sejam flexíveis, usem o diálogo interno para lembrar, ordenar e direcionar o comportamento. Além disso, desenvolve o raciocínio e a resolução de problemas, de modo a perpetuar o fortalecimento emocional tão importante para a construção de identidade e propósito. Na brincadeira, as crianças praticam a autorregulação e sentem-se menos vulneráveis reduzindo manifestações de estresse. As atividades lúdicas ainda incentivam o pensamento simbólico e as habilidades verbais, cognitivas e sociais.
Saiba mais…
A psicopedagoga explica que, do ponto de vista das neurociências, estamos sempre em constante aprendizado e para isso o cérebro se desenvolve incrivelmente a partir do que chamamos de plasticidade cerebral, que é a capacidade de alterar sua estrutura de funcionamento com base nas experiências vivenciadas e nos estímulos recebidos, formando milhares de conexões neurológicas, chamadas sinapses, para que possamos nos apropriar e desenvolver novas aprendizagens. Tais conexões alteram o funcionamento cerebral e influenciam diretamente em nosso comportamento.
É importante destacar que o cérebro adulto e infantil se difere, apesar de possuírem as mesmas capacidades e possibilidades, estão em estágios de desenvolvimento diferentes, pois a criança ainda precisa de auxílio, tempo e intencionalidade para absorver novas aprendizagens e com base nas experiências vivenciadas, elaborar características que formarão sua identidade, adaptação, pertencimento e propósito diante do meio que se insere.