Embora a família tenha buscado atendimento, o jovem de 14 anos foi operado somente seis dias depois da primeira consulta
Nesta semana, a notícia que um adolescente de 14 anos havia sido diagnosticado tardiamente com apendicite aguda e estaria na UTI tomou conta das redes sociais locais. Hoje, o jovem ainda encontra-se na UTI do Hospital Infantil Waldemar Monastier, em estado grave, conforme informações da família.
A Folha conversou com a irmã do adolescente, que contou como tudo aconteceu. “Dia 30 de julho, minha mãe levou meu irmão até a Unidade de Pronto Atendimento. Ele não estava nada bem, tinha parado de comer, não estava indo ao banheiro, estava amarelo e reclamava muito de dores na barriga, principalmente acima do umbigo. O médico que examinou ele chegou a pedir um raio-x, mas disse que se tratava de uma constipação. Receitou uma injeção – que meu irmão se recusou a tomar – e quatro remédios, um laxante, remédio para gases, e para dores musculares e abdominais.”
O menino foi liberado para casa, mas os sintomas foram piorando. Conforme conta a irmã, após a medicação, ele começou a evacuar no mínimo esforço que fazia, inclusive coisas simples como falar ou beber água já o fazia ir ao banheiro. Na quinta-feira (05) a mãe percebeu que ele estava desmaiado e aparentemente convulsionando. Foi quando ela chamou o Samu, que o atendeu imediatamente e constatando a gravidade o levou para a UPA.
“A médica que atendeu ele viu o grau da seriedade, de imediato realizou vários exames e viu que as fezes que estavam trancando o intestino dele estavam ali porque o apêndice estava estourado. Na hora, ela chamou o médico do primeiro atendimento e o questionou. Ele respondeu que a minha mãe havia dito que ele estava apenas ressecado. Chegaram a chamar o Conselho Tutelar, para denunciar a minha mãe por negligência, mas acabou não sendo registrado”, relembra a irmã.
O adolescente foi então encaminhado ao HIWM às pressas, “entre a vida e a morte”, chegando a ser desenganado pela equipe. “Ele foi internado dia 06 de agosto, quando fez uma cirurgia que durou por volta de quatro horas, onde eles tiraram 1500ml de pus, e viram que ele estava com 85% dos órgãos afetados, pois a bactéria já estava no sangue. A maior luta dele é contra a infecção no estomago hoje”, diz.
Ele permanece na UTI e já foi extubado, mas ainda não consegue falar ou se alimentar, recebendo os nutrientes via sonda e está acordado. Ainda não há previsão de alta. “Meu irmão sempre foi um menino saudável, nem problemas para ir ao banheiro ele tinha. Conversei com médicos que falaram que ele teve sintomas clássicos da apendicite aguda. Poderia ter preservado ele de tanto mal, do que o deixou entre a vida e a morte. É um sentimento revoltante, mas agora estamos focados na recuperação dele”, finaliza a irmã.
Nota da Prefeitura
A Folha de Campo Largo buscou a Prefeitura para falar sobre o assunto, que respondeu: “A Prefeitura de Campo Largo, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informa que está realizando os trâmites necessários para a apuração dos fatos, porém salienta que todo atendimento foi prestado assim que os familiares procuraram o serviço. A equipe reitera ainda que a clínica médica da UPA está acompanhando o caso”.
Apendicite pode apresentar sintomas diferentes em cada paciente, alerta médico-cirurgião
O procedimento cirúrgico exigido por um caso de apendicite aguda pode até parecer um processo mais simples, porém, este é um ledo engano, pois trata-se de casos bastante complexos.
“Temos em literatura médica que a apendicite aguda é uma das doenças do aparelho digestivo que mais levam a óbito, justamente porque os sintomas podem ser os mais clássicos possíveis ou podem ser bastante diferentes, tudo depende da anatomia do paciente que apresenta este quadro. Há pacientes que apresentam a clássica dor no quadrante inferior direito, enjoo, vômito, por exemplo, mas já houve casos de pacientes que achava que era uma infecção urinária que estava provocando a dor, porém era um apêndice que estava inflamado”, explica Dr. Paulo Rogério da Costa, médico cirurgião geral.
Ele segue comentando que mesmo por exames de imagem muitas vezes é difícil de identificar. “Geralmente o paciente procura a Unidade de Pronto Atendimento no início dos sintomas e por serem sintomas compatíveis com mais quadros clínicos, não são realizados exames de imagem, por exemplo. Ainda assim, quando são feitos, ainda que por excelentes radiologistas e médicos, pode haver dificuldade para constatar algo que está acontecendo. Não há muito tempo, tive que realizar uma cirurgia de emergência em uma mulher que estava com uma alteração muito discreta no abdômen, após três dias de início de sintomas. Ao abrir, constatamos muito pus e o apêndice rompido”, comenta.
O médico explica que a grande problemática são as evoluções que o paciente pode fazer após o rompimento de um apêndice inflamado. Além do pus, fezes também podem contaminar toda a área, causando peritonite, que é a inflamação decorrente de infecção que acomete o peritônio, tecido que reveste a parede interna do abdômen e recobre a maioria dos órgãos da região abdominal. Os casos podem evoluir em horas ou dias.
Causas e sintomas
Causada “apenas por existir o apêndice”, a apendicite aguda pode se manifestar por infecções virais simples, fecalito – pedaço pequeno de fezes que acabam obstruindo -, entre outras. Por isso é importante estar atento aos sintomas e procurar ajuda médica quando houver suspeita.
“Podemos colocar a falta de apetite como seu principal sinal, mas pode ser manifestado em vários quadros clínicos. As dores abdominais, que se manifestam do lado direito, na parte mais baixa do abdômen, na altura do umbigo, que começa fraca e aumenta a intensidade. O intestino pode parar de funcionar, além de causar febre, queda do estado geral do paciente, vômitos, náuseas e apatia. A automedicação costuma ser uma realidade entre os pacientes, mas pode mascarar os sintomas. Se eles são contínuos e que chamam a atenção, é importante buscar atendimento médico, para diagnóstico e retornar em caso de continuidade mesmo após anamnese”, reforça.
Em mulheres que estão no período menstrual, o diagnóstico pode ser dificultado por conta das cólicas menstruais, por isso demanda mais atenção ainda. Em crianças também há uma dificuldade grande nessa constatação, por conta da dificuldade em descrever ou localizar a dor. “Em crianças nós sempre verificamos a perda de apetite, dor na região umbilical, náusea e vômito”, diz.
O procedimento cirúrgico é variável. Se constatada no início, antes de romper, em geral o paciente recebe alta de um a três dias após a cirurgia. Casos mais extremos, de demora do diagnóstico, por exemplo, pode causar internamentos em UTI para tratamento da infecção. Há casos em que a apendicite pode levar o paciente a óbito, infelizmente.