Problemas que afetam a mente e acabam impactando diretamente no corpo físico podem ser sinais que o corpo precisa de um descanso
Agendas lotadas de compromissos, muitas vezes até tarde da noite. Finais de semana para adiantar o trabalho da jornada que ainda nem começou. Noites mal dormidas ou em claro pela preocupação excessiva. Divertir-se parece que virou uma exceção à regra e que até está fazendo algo errado. Os filhos crescem e muitos nem veem. Os riscos dessa glamourização do excesso de trabalho podem trazer consequências sérias ao futuro e se torna mais evidente no final do ano.
“Essa ‘glamourização’ da falta de tempo é tão forte, que ter tempo parece até um tanto esquisito. Parece que a falta de tempo virou sinônimo de sucesso profissional, ser ocupado demais é sinal de que os negócios estão bem, que você é bom e, por isso, é muito requisitado. Além disso, não podemos esquecer que vivemos em um sistema que preza muito pelo fazer, e que o peso do resultado sobressai sobre o processo. Estar sempre sem tempo poderia ser esquisito, mas é normal. Nesta realidade, a exaustão e o cansaço passaram ocupar novos lugares, não mais de alerta sobre o nosso corpo e nossas necessidades, mas como um ‘troféu’ de que quanto mais exaustos mais produtivos estamos”, explica a psicóloga Angélica Santos Neris (CRP 08/20866).
Consequências para si e para a família
A psicóloga cita a frase do livro Sociedade do Cansaço, de Byung-Chul Han, na qual diz que “por falta de repouso nossa civilizac?a?o caminha para uma nova barba?rie. Em nenhuma outra época os ativos, isto e?, os inquietos, valeram tanto”, trazendo a explicação que um ritmo acelerado, a longo prazo, leva ao adoecimento físico e mental.
“O mundo do trabalho, a busca incessante por resultados, a pressão do dia a dia, o ‘dar conta de tudo’, pode nos levar a um esgotamento físico e psicológico, culminando na chamada Síndrome de Burnout. A OMS define o Burnout como o resultado de um estresse crônico não administrado com sucesso e decorrente do trabalho. Essa síndrome não está descrita no DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), mas consta no CID (Classificação Internacional de Doenças), em específico CID-11 categorizada como Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional”, diz.
No Brasil, de acordo com a International Stress Management Association (Isma), a síndrome de burnout afeta cerca de 30% da população brasileira, sendo que somente na área da saúde, o país ocupa a segunda posição com os profissionais mais afetados.
“Na CID-11 está caracterizado como ‘sensação de esgotamento ou esgotamento de energia, aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho, redução da eficácia profissional’”, ressalta Angélica, orientando a procura por tratamento adequado sob consequência de piora do quadro.
Porém, não é somente a pessoa que pode sofrer ao trabalhar exaustivamente. “A pandemia, as adaptações, as perdas e tudo o mais que esse contexto nos levou a viver trouxe (e trará) muitos reflexos. Em alguns casos a pandemia levou o trabalho pra dentro de casa (home office), pra algumas famílias isso foi bom, gerou proximidade com os filhos, mais tempo pra compartilhar uma refeição, estar na companhia um do outro. Mas esta não é a única realidade, muitas outras famílias ficaram espremidas e super sobrecarregadas com tantos ‘pratos’ a serem equilibrados”, diz.
Angélica ressalta que quando tudo passa a acontecer em casa (lazer, trabalho, escola), é importante olhar para a forma que as famílias lidaram com isso. “A grande questão não é o trabalho ter passado a ser desempenhado em casa, mas a forma que isso se deu”, alerta.
Quem trabalha mais?
A psicóloga explica que há sim perfis mais propensos ao trabalho até a exaustão, como pessoas com baixa autoestima. “Uma pessoa com baixa autoestima duvida de seu potencial, e muitas vezes tem medo de assumir responsabilidades e riscos, sente insegurança, inadequação, perfeccionismo, tem dúvidas constantes, é incerta do que é ou pode, sentimento vago de não ser capaz de realizar algo, depressão, não se permite errar, necessidade de agradar, busca constante de aprovação e reconhecimento. Elas têm dificuldade em estabelecer limites, pouca consciência sobre si, medo em desagradar”, diz.
Angélica acrescenta ainda que a autoestima é um conjunto de sentimentos e pensamentos sobre si próprio, que podem ser positivos ou negativos. É um valor que você atribui a si mesmo como forma de avaliação mental e física, e que reflete diretamente no equilíbrio emocional e a vida como um todo.
“Uma pessoa com autoestima elevada tem autoconfiança, consegue se valorizar e tem uma postura mais positiva, alcançando seus objetivos com facilidade, por exemplo”, completa.
Reavaliando para 2022
“Menos workaholic.” A psicóloga diz que este termo em inglês é usado para designar pessoas que são viciadas em trabalho. “Existem as pessoas que trabalham muito, e existem os workaholics, aqueles que não têm vida pessoal e não conseguem viver fora do trabalho. Algumas de suas características: motivados a trabalhar, mas não necessariamente satisfeitos com o trabalho”, revela.
Ainda, se tudo vai mal, não cuidarão de si; trabalham muitas horas por dia; a compulsão pelo trabalho priva-os de uma vida social; o estresse normalmente é um companheiro diário. “Considerando que o espaço de trabalho supervaloriza resultados e nem sempre a qualidade de vida, há uma grande chance do número de workaholics crescer cada vez mais. Além disso, e-mail, celular, mensagem instantânea, facilitam ainda mais o foco no trabalho. O cuidado nestes casos é como essa forma de relacionar-se com o trabalho impacta seu bem-estar e qualidade de vida. Dedicar-se sem limites para o trabalho (ou outras coisas na vida) pode trazer riscos para saúde física e mental”, alerta.
Portanto, perceba os sinais que o corpo e as emoções dão, como insônia, gastrite, irritabilidade, falta de foco, dores de cabeça, enxaqueca, indisposição, que podem significar que o corpo precisa de pausa. “A ‘correria’ não pode nos impedir de escutar e perceber, de identificar o que contribui pra um ritmo de vida acelerado”, diz.
Há fatores externos de alerta também, como a cultura do alto desempenho, a valorização da produtividade, a ideia de que se você se esforçar você consegue, o sol nasce pra todos, aliado aos fatores internos de insegurança, nível de exigência alto, baixa autoestima, pouca consciência sobre si, consequentemente baixa consciência sobre suas escolhas, acrescenta a psicóloga.
“Lembre-se que o cuidado com a saúde também está relacionado à vida profissional”, finaliza.