Sabado às 23 de Novembro de 2024 às 08:49:26
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Dar o exemplo e criar uma conexão de respeito com a criança são essenciais na educação

Crianças que são ouvidas e estimuladas conseguem Se comunicar melhor, avaliar seus sentimentos e atitudes, como também resolvem melhor os conflitos. Pais precisam entender diferença de autoridade e autoritarismo

Dar o exemplo e criar uma conexão de respeito com a criança são essenciais na educação

A criança precisa ser vista como um ser humano e ser respeitada com suas vontades, o que não significa ser permissivo demais com ela. Também é preciso que os pais ou responsáveis entendam o processo de amadurecimento que elas passam, o que são realmente capazes de fazer e acima de tudo o exemplo que é passado a elas, que é como elas vão aprender e levar ensinamentos para a vida adulta.

A psicopedagoga Joyce Mendes explica que a infância se divide de 0 aos 03 anos, dos 03 aos 06 anos e dos 06 aos 12 anos. Ela, que também é neuropsicopedagoga, especialista em Desenvolvimento Infantil, Orientação Familiar e Escolar e acadêmica de Psicologia, dá algumas orientações gerais sobre essa fase que pode ser tão desafiadora aos pais, mas tão essencial na formação dessas crianças para uma vida adulta melhor.

Fase dos 03 aos 06 anos: conflito

interno com tantos aprendizados

Nesta primeira fase, “o cérebro da criança está em ponto de ebulição, com muitas conexões neurais, muita informação, movimento gigantesco que faz com que a criança tenha uma maior extensão na aprendizagem. A fase com maior número de sinapses e aprendizagem motora, cognitiva, emocional e social é esta. Fase mais “esponjinha”. Crianças imitam o jeito de falar e de se comportar dos pais, porque a aprendizagem é por observação”.

Por volta dos 03 anos tem uma transição da fase da infância. Como a criança recebe uma carga de informação muito grande, existe um conflito interno no contexto emocional e cognitivo. Joyce explica que até os 03 anos eles acham que são a extensão dos pais e a partir desta idade a criança passa a se perceber como indivíduo. Neste período começam a surgir comportamentos mais desafiadores da criança perante os pais. “Ela vai criando uma maior autonomia e uma perspectiva de enxergar-se. Ainda é governada pelos outros, mas já estão em um percurso de tentar ter essa necessidade de decisão, de escolha. Chamada de adolescência da infância, é regida pelas emoções mais primárias. O córtex frontal, parte do cérebro responsável pelo autocontrole, organização e planejamento, ainda vai se desenvolver lá na frente, na adolescência.

A criança ainda nesta fase não tem o controle inibitório. Então ao mesmo tempo que está se encontrando, que tem uma referência, quer ter sua identidade, desafiar os pais, mesmo sabendo que eles a regem. Por eles não terem este freio inibitório e toda essa capacidade de autocontrole e planejamento, acabam ocorrendo os rompantes.”

Birra faz parte

Muito comum durante este percurso é a birra, que é uma maneira que a criança expressa suas emoções e faz parte do desenvolvimento infantil. “Os pais têm que encarar com leveza, que esse é um processo de constituição da personalidade da criança. Mesmo com pais atenciosos, que fazem combinados, estimulam regras, as birras vão acontecer. É uma manifestação natural porque ela ainda não consegue se expor de uma maneira equilibrada quando se frustra. Faz parte do conhecimento das emoções. Por isso, é importante a mediação correta e comunicação assertiva com esta criança, com essa disciplina junto a elas”, detalha a especialista.

Como lidar?

Dicas da psicopedagoga: primeiro conversar, tentar não se mostrar impaciente. “Como queremos ensinar algo para a criança se nem nós conseguimos nos controlar?” Importante perceber sinais desta birra antes de acontecer, por exemplo, se a criança está mostrando uma necessidade (fome, cansaço, sono, indisposição) ou a criança está apresentando a birra por questão de reforçar algo negativo a partir da atitude do adulto. Se o adulto cede quando o filho bate o pé, se joga no chão, a profissional diz que a criança entende que quando ela tiver esse comportamento mais autoritário e de rompante os pais vão atender o que ela precisa. “Como ela não sabe definir as emoções, vai agir mais instintivamente”, frisa.

“Não adianta dizer não pelo não. Para que o cérebro possa processar, a criança precisa ter uma explicação e o adulto dar ênfase ao que quer ensinar e não na punição. O adulto geralmente vai a partir da punição e isso só reforça o negativo. Precisa dar ênfase no que quer empoderar a criança. O adulto explicar o porquê e dar opções à criança, sem ser autoritário, assim criar uma conexão sem tirar o papel dos pais de autoridade e de mediador. Adulto precisa manter-se firme, mostrar os limites, até onde ela pode ir e ao mesmo tempo a criança precisa sentir-se amada.” Além disso, Joyce orienta que é importante mensurar o reforço positivo, quando a criança atende às expectativas é preciso dar valor ao processo pelo qual ela passou, elogiando de forma bem prática para que entenda, detalhando a situação.

Desenvolver autonomia

Todo processo de ensinar, explicar e reforçar é feito para que a criança crie autorresponsabilidade, desenvolva sua autonomia e perceba as possibilidades de escolha que ela tem. É um processo de amadurecimento da criança. “Pais que muitas vezes são mais controladores, que criam uma pressão muito intensa na criança e solicitando que ela atenda muitas expectativas dentro da idealização que eles têm, prejudica a formação emocional e social da criança. Eles podem ser adultos que vão refletir esse padrão aos seus filhos, criando um ciclo vicioso de pais e filhos com um processo tóxico de exigência, de pressão, muitas vezes pessoas que vão se tornar de certa forma autocríticas consigo mesmas. Tudo de uma forma exagerada acaba sendo prejudicial para crianças e adultos. Ou se for direcionar essa balança para outro lado, também vamos ter pessoas que vão ter uma baixa estima, pessoas submissas, que nunca fazem ou são suficientemente boas porque de certa forma não atenderam a expectativa dos pais.”

A psicopedagoga explica que essa percepção acaba prejudicando a criança dentro de um destes extremos. Pessoas que vão depender sempre de autoaprovação para realizar, não vão ter ali posições individuais, vão sempre ser dependentes dos outros. “São aqueles filhos que não conseguem bater asas e sair daquele ninho pelo fato de não se sentirem capazes. Ou são aqueles filhos que saem, mas vão se tornar pessoas persuasivas ao extremo, não respeitando individualidade do outro.”

 

 

 

Autoridade x autoritarismo

A disciplina positiva fala muito da escuta ativa e comunicação assertiva, e a diferença do que é autoridade e autoritarismo, segundo discorre a psicopedagoga. “Ter autoridade é exercer a liderança com seu filho. Precisa, sim, se impor na posição de pai e mãe, é diferente de ser amigo. Filhos precisam agir de forma respeitosa com os pais e seguir alguns limites. Isso vai da forma como se comunica com os filhos, desde o tom de voz, a maneira que chega até eles”, enfatiza.

Já o autoritarismo faz com que a criança atenda, mas de maneira momentânea por conta do medo, instiga nela o medo e aquilo não agrega no desenvolvimento dela. “Agora quando tem autoridade, a conexão de uma forma efetiva entre pais e filhos, faz com que a criança processe a informação, aprenda, aumenta a conexão, autoestima da criança perante a forma de educar e autoconfiança, vai garantir o respeito sem ter o medo”, orienta.

“Crianças que muitas vezes são criadas por meio da imposição vão refletir isso para os seus filhos, no trabalho e assim por diante. Crianças com autonomia vão superar esse egocentrismo porque foi ouvida, respeitada, estimulada, vão saber conectar-se com o outro. Também influencia na questão das relações socioemocionais, que são muito importantes nos quesitos emocionais, acadêmicos e sociais, em todas as fases. Vão se comunicar melhor, avaliar seus sentimentos, atitudes, construir o altruísmo, que é muito importante na resolução de conflitos, busca da empatia, valorização das diversidades. Então é muito importante construir essa visão de autoridade ou autoritarismo, qual a liderança, qual a escuta e comunicação efetiva. Nossas atitudes vão ser muito mais relevantes do que uma lição de moral que der no filho. É preciso ter equilíbrio entre o que fala e faz”, argumenta Joyce.

Dentro deste conceito, a psicopedagoga diz que a criança tem que se sentir pertencente do processo, quando algo é pedido a ela. Por isso, a importância da rotina, mas não algo imposto e sim algo que ela entenda o significado, que tenha conexão e que ela também tenha poder de escolha. Como exemplo, não adianta ter um quadro de rotina se ela não encontrar uma relação com isso. “Quando tem conexão perante escolhas, sentimentos e relação com ela, vai ter habilidade socioemocional mais desenvolvida, vai reduzir conflitos porque vai criando estratégias de como resolver problemas, terá respeito consigo mesmo e com o próximo. Criança começa a fazer relação e analisar como precisa agir”, diz.

Respire fundo e mantenha uma previsibilidade

Muitas vezes, durante um conflito, é preciso que o adulto respire fundo, conte até 10, saia um pouco se precisar, mas que consiga agir de forma calma com a criança. “Quando a criança está no auge da birra é preciso tirar do ambiente, acalmá-la e então tentar conversar. Ter percepções e colocar-se no lugar da criança. Não adianta querer ensinar algo que o próprio adulto não consegue fazer. Tem que respirar e depois se colocar diante da criança. O contato visual é muito importante. Se alguém não olha nos olhos, não se dá crédito para o que está falando. Também não adianta ficar divagando, precisa ter clareza na mensagem”, comenta, lembrando que o exemplo não é só do que se fala, mas do que se faz.

Crianças pequenas ainda não têm muito controle do planejamento e organização, por isso é preciso sempre repetir para ela, agir com previsibilidade. Ela explica que quando se fala para o filho o que se espera dele em determinada situação, como ele deve se comportar, faz com que a criança já vá processando e projetando a situação, criando uma segurança maior porque já vai pensando como deve se comportar e vai diminuindo a ansiedade, reduz a resistência. Por fim, ela resume pontos importantes: “Diálogo, atitudes que são exemplo e previsibilidade. Acima de tudo, controlar-se”, conclui.