Os dados são estarrecedores, pois mostram um aumento significativo. No ano passado, de janeiro a junho, a Delegacia havia registrado 38 boletins e neste ano foram 50 no mesmo período. Psicóloga explica os danos à
A Polícia Civil, por meio da sua Assessoria de Comunicação, forneceu à Folha de Campo Largo um comparativo do primeiro semestre dos anos de 2017 e 2018 sobre o registro de ocorrências na cidade no tocante a crimes Contra a Dignidade Sexual. Os dados são estarrecedores, pois mostram um aumento significativo. No ano passado, de janeiro a junho, a Delegacia havia registrado 38 boletins e neste ano foram 50 no mesmo período.
Entre os crimes estão o assedio sexual, assedio sexual em vítimas menores de idade, corrupção de menores, estupro de vulnerável, estupro de vulnerável com lesão corporal grave, estupro ou atentado violento ao pudor e estupro ou atentado violento ao pudor, que resultou em lesão corporal em menores com mais de 14 anos. O crime dessa natureza mais cometido na cidade é o estupro de vulnerável – em que as vítimas são crianças de zero a 14 anos, com 30 casos registrados somente neste ano. O mês com maior incidência foi março, que registrou oito casos, seguido de maio e junho, com cinco casos cada.
A psicóloga e especialista em Sexualidade Humana, Carolina Gadens Marchiori, explica que vítimas de estupro podem ter problemas para desenvolver sua sexualidade no futuro, além de poderem apresentar baixa autoestima, ansiedade, depressão e outros transtornos psiquiátricos, necessitando ser identificado e realizado o tratamento o mais breve possível.
“Crianças e adolescentes que sofreram abuso podem demonstrar de diferentes formas, depende da forma que ocorreu o abuso, da personalidade da criança, do ambiente familiar e da rede de apoio da criança. É importante observar se ocorreram mudanças bruscas no seu comportamento, como se a criança está demonstrando um conhecimento sexual inapropriado para a sua idade, se ela procura envolver os colegas em brincadeiras sexuais, dificuldade para dormir, enurese (emissão involuntária de urina), isolamento social, dificuldade para se concentrar, queda no rendimento escolar, dificuldade para confiar em adultos, entre outros”, orienta a psicóloga.
Outro público que também acaba sendo vítima com frequência é de mulheres idosas, e nelas, Carolina diz que reações como vergonha de denunciar o abusador, por se sentirem constrangidas, são comuns. Ela aconselha a observar sinais físicos (lesões ou infecções nas genitais, DST’s) e comportamentais, como medo de se despir, de tomar banho, de tirar a roupa e a desconfiança.
Prevenir e falar sobre o tema
Segundo a psicóloga, o primeiro passo para a prevenção é construir um relacionamento de confiança com os filhos. Os pais também devem ensinar os nomes das partes do corpo e explicar quais são particulares, que ninguém deve mexer, ver, fotografar, e que ela também não pode tocar em outras pessoas. “Os pais devem ensinar a forma com que as crianças devem estabelecer esses limites. É importante comunicar que independente de qualquer coisa, as crianças devem sempre avisá-los se alguém tentar exceder esses limites e que os pais não vão ‘brigar’ - como muitos abusadores falam como forma de intimidação - se elas contarem a eles. Além dessas medidas, os pais devem conhecer as pessoas com quem seus filhos convivem e sempre observar o que as crianças têm visualizado nos meios de comunicação”, orienta.
Segundo ela, crianças que acabam presenciando cenas de sexo ou têm contato com material pornográfico muito cedo, por não estarem psicologicamente preparadas para essas exposições, elas podem gerar reações de impacto, como reações de ansiedade ou até medo, e, dependendo da gravidade da exposição, começar a demonstrar um conhecimento sexual inapropriado para a sua idade, procurar envolver os colegas em brincadeiras sexuais, prejudicando o desenvolvimento da sexualidade da criança.
Vergonha e cultura do estupro: algo a ser combatido
A vergonha acaba se tornando um obstáculo bem grande para a identificação desses agressores. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde”, aponta que somente 10% dos crimes cometidos no país são registrados e apenas 1% dos estupradores são punidos.
“As pessoas podem ter medo de denunciar por pensar que ninguém vai acreditar nelas, ou que serão responsabilizadas pelo que ocorreu. Infelizmente isso ainda ocorre. Mas é importante denunciar, pois o mesmo agressor que agrediu e não foi responsabilizado pode fazer novas vítimas ou manter a agressão que já faz. A denúncia vai fazer com que ele seja responsabilizado e punido, não só pensando na punição do agressor, mas a vítima que denuncia, após a denúncia, pode se sentir mais fortalecida por estar reagindo a alguém que a fez tão mal. Pode inclusive encorajar outras vítimas a fazerem o mesmo”, aconselha.
Outro tema amplamente discutido hoje, especialmente nas redes sociais, é a cultura do estupro. Embora seja visto por muitos como um tema de esquerda, abordado principalmente pelo Movimento Feminista, a pauta deve ser debatida, pois envolve toda a sociedade. A psicóloga explica que faz parte da cultura do estupro os comportamentos sociais baseados no machismo e na misoginia, que dão abertura direta ou indiretamente para a violência contra a mulher. “Para que uma cultura mude é necessário que os membros dela individualmente adotem comportamentos diferentes, que sejam mais críticos e conscientes das suas ações. No caso da cultura do estupro é preciso que as pessoas passem a respeitar mais o espaço ou limite do outro, que sejam mais críticas com a própria postura na hora de propagar ideias sobre o estupro (mesmo de ‘brincadeira’), não culpar a vítima pelo abuso. Deve-se combater ideias machistas em geral. É uma mudança que leva anos, mas é importante que cada um se conscientize e que comece a mudança individualmente”, diz.