Médica nefrologista alerta para a necessidade de conversar e deixar claro o desejo de ser doador de órgãos. Ela explica o que é a morte cerebral e como funciona a doação de órgãos.
Para cada mês uma cor, e para cada cor um assunto ligado à saúde e de vital importância na discussão da sociedade. O mês de setembro, além da cor amarela – que representa o suicídio, também recebe a cor verde, que é usada para a conscientização da importância da doação de órgãos. O diálogo familiar é uma ferramenta muito importante para deixar claro os desejos de cada um, mesmo diante de um assunto tão delicado quanto a morte cerebral. Hoje somente o núcleo familiar mais próximo do paciente pode autorizar a doação, não existindo a possibilidade de deixar documentos escritos ou registrados em cartório com essa opção.
“Mais importante do que explicações técnicas é a conscientização da doação e essa deve ser a primeira conversa. O maior problema hoje é a recusa familiar. A gente precisa sinalizar as famílias da importância em se conversar sobre esse assunto. Muitas vezes a pessoa quer ser doadora, mas não deixou isso claro, e naquele momento de dor e de perda alguém não aceita que seja feita a doação”, a explicação é da médica nefrologista e responsável técnica pelo Transplante de Rim do Hospital do Rocio, Dra. Fabiola Pedron Perez da Costa.
A médica explica que a doação do paciente falecido é feita somente a partir do momento em que é constatada e comprovada a morte cerebral. “Algumas pessoas não compreendem qual a diferença entre o coma e a morte cerebral. O paciente em coma não será doador, pois o coma significa que o paciente não responde a estímulos, mas há fluxo sanguíneo no cérebro, portanto o cérebro está funcionando. O coma é reversível e pode levar dias ou até mesmo anos para uma resposta positiva ou não. Já a morte cerebral acontece quando não há fluxo de sangue no cérebro, então vai chegar uma hora que os órgãos daquele paciente irão parar de funcionar. Então, precisamos fazer esse diagnóstico, fazemos testes clínicos – para ver se há resposta. Não obtendo resposta são feitos exames de imagem, uma arteriografia ou um Dopler”, diz.
Nesses exames é possível ver com exatidão se há fluxo de sangue chegando no cérebro, portanto, não há dúvidas para a constatação desse quadro. Segundo a médica, a falta de conhecimento sobre esse quadro clínico faz com que as pessoas tenham medo de tirar um órgão de uma pessoa ainda viva ainda, porém não acontece pois existem protocolos do Conselho Regional de Medicina, seguido rigorosamente pelas equipes médicas.
Pode ser doador falecido qualquer pessoa que esteja em morte cerebral e que a família autorize. A partir daí, fica ao encargo da equipe de médicos da Central de Transplantes, médicos captadores e que realizam o transplante avaliarem a viabilidade dos órgãos a determinado paciente e também quais órgãos podem ser aproveitados. “Tudo depende da situação clínica do doador. Essa análise é feita pela equipe médica da Central de Transplantes e também pelas equipes que vão transplantar. Existem mesmo pacientes com tumores benignos que podem ser doadores de outros órgãos não atingidos, mas não podemos generalizar, pois tudo precisa ser analisado minuciosamente à viabilidade do órgão”, ressalta.
A médica tranquiliza também as famílias sobre o cuidado que os médicos têm em não deformar o doador. “Tudo é feito com muito cuidado e respeito. Nós retiramos o órgão, mas é feito todo o procedimento para que o corpo daquela pessoa esteja em condições para o velório. Em Curitiba, por exemplo, os doadores de órgãos têm os custos do funeral arcados pela Prefeitura, até mesmo como uma forma de homenagear essas pessoas pelo belo ato feito, mesmo após a morte. O ideal seria que essa lei se expandisse para outros municípios também, pois isso poderia até mesmo fazer subir os números de doadores, já que não deixa de ser um incentivo”, diz.
O outro lado
Embora pareça algo triste, a médica diz que muitas pessoas encaram a doação de órgãos como uma oportunidade de semear a existência de um ente querido e ao mesmo tempo prolongar, com qualidade, a vida de outra pessoa. “Também temos que considerar o outro lado, das pessoas que precisam receber um órgão para sobreviver. Há casos de pacientes – na minha área por exemplo – que já não podem mais fazer hemodiálise. Em cada doação nós analisamos os detalhes técnicos, pois na grande maioria dos casos é levado em conta o grau de urgência de um novo órgão ao receptor, que precisa de um órgão de boa qualidade. Mesmo analisando todos os exames que foram feitos, muitas vezes na hora da captação o órgão não está em condições”, explica.
O transplante é uma corrida contra o tempo, pois cada órgão tem um prazo para que seja retirado e transplantado. Quanto mais tempo demorar, maiores são as chances do transplante não dar certo. Os pacientes do Paraná concorrem entre si pelos órgãos do Estado. A Dra. Fabiola explica que é preciso uma equipe grande de profissionais envolvidos, pois muitas vezes há vários chamados durante o dia para órgãos que precisam ser captados em outras cidades e serem trazidos em tempo hábil para a realização do transplante.
O Hospital do Rocio realiza hoje transplantes de rim, pâncreas-rim e fígado, tanto com órgãos de pacientes falecidos, como entre pacientes vivos – que podem ser doados somente entre familiares de até quatro gerações, mediante exames clínicos, laboratoriais e de compatibilidade genética. Há estudos para ampliar o serviço e a realização de transplantes cardíacos.
A Medicina Brasileira realiza transplante de coração, dos dois pulmões, fígado, dos dois rins, o pâncreas e o intestino, tecidos tais quais córneas, ossos, pele e válvulas cardíacas. Na morte por parada cardíaca somente os tecidos podem ser doados. Não são permitidos no país transplante de nenhum outro órgão, como pênis, útero, mão e outras partes do corpo humano – com informações do site Programa Estadual de Transplantes do Rio de Janeiro.
“Falar sobre doação de órgãos faz aumentar o número de doadores, pois é tomado conhecimento sobre o assunto. Hoje temos muitos pacientes na fila, que precisam dessa segunda chance para sobreviverem. Vamos falar mais sobre isso”, finaliza.