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Aguinaldo Martins despede-se da vida como padre

“Nâo me sinto parte deste clero”, declarou ele, afirmando que há alguns anos se questionava sobre ser padre e quer seguir o sacerdócio comum

Aguinaldo Martins despede-se da vida como padre

Quando começou a ver que tinha pensamentos diferentes sobre o ser humano, do que é praticado na Igreja, Aguinaldo Martins começou a se questionar sobre ser padre. Há 14 anos nessa missão, disse não se sentir mais parte do clero e da Arquidiocese de Curitiba, porque não concordava com tudo; sempre respeitou o jeito de pensar sobre o ser humano, mas não vinha de encontro com tudo o que ele pensava.

No dia 05 de maio de 2021 foi quando manifestou o pedido para dispensa do sacerdócio e qualquer vínculo. Não questionou dogma, instituição, mas a única coisa foi poder manter seu discurso. “O ser humano precisa ser visto em sua totalidade, espiritualidade, sexualidade”. Não entrou em mais detalhes, mas diz ter sido verdadeiro consigo mesmo.

Nesta terça-feira (15), divulgou um vídeo em que se despede da comunidade e anuncia que haverá um novo pároco na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, para o qual pediu que acolham bem. Declarou que não será mais padre e que inicia uma nova etapa em sua vida. “Posso fazer o bem exercendo o sacerdócio comum, não o ministerial. Quero fazer o que todos fazem, ter um trabalho, pagar suas contas, ter sua casa, seu carro e fazer isso da minha vida. Ele diz sair com sentimento de gratidão e leveza, pois combateu até onde viu que valia a pena e completou sua corrida nessa missão. Agradece a todos que o acolheram e o carinho que recebeu.

Aguinaldo explicou que não está apaixonado por ninguém que não seja ele e afirma ser seu melhor companheiro de caminhada. “Minha decisão não é sobre pessoas e eventos, mas sobre meu desejo de mudar”. Foi um processo difícil e neste momento quer um tempo para descansar. Depois, quer trabalhar com aquelas pessoas que precisam ser escutadas, em um consultório. E diz que essa escuta fará muito bem para ele e as pessoas, pois esse é o seu dom: escutar as pessoas. Vai continuar trabalhando como psicólogo e psicanalista e comenta que podem sempre contar com ele.

Completa que não está deixando de crer em Jesus Cristo, só não fará mais parte da instituição. “Pra mim Jesus é uma pessoa que trouxe uma experiência muito forte de encontro com as pessoas. Cada ser humano é único e singular no que pensa, no que sente, como sente. Vou continuar vivendo com ética e sendo fiel ao meu desejo”, completa ele, que afirma crer e sentir Deus.

Vida
“Uma vida não se consegue explicar. Minha vida é feita de totalidade, mas de traços também, muito significativos. Traços dolorosos e de muita vitória. Eu sou um homem muito humano e herdei isso dos meus pais”, diz ele, que nasceu em Cascavel e teve uma infância muito feliz, filho de um pedreiro e uma dona de casa.

Diz que os pais não eram muito de frequentar a Igreja e ele também não ia. Mas um dia, num grupo de jovens quando morava em Catanduvas, sentiu que Deus o amava e que esse sentimento acrescentava algo a mais. Era uma oração da Renovação Carismática Católica, que para ele era muito terapêutico e tinha uma conversa com Deus como um amigo.

De uma Irmã recebeu emprestado um livro e a partir daí teve vontade de ser franciscano. Foram sete anos como franciscano, a partir dos seus 18 anos de vida. Neste período teve uma grande proximidade com o povo. Teve um momento que colocou em xeque algumas coisas e quando os pais saíram de Catanduvas para ir morar em Curitiba, saiu dos franciscanos e foi morar com eles. “Eu era um jovem que poderia me apaixonar e me apaixonei. Fiquei dois anos fora do seminário e tive três namoradas”, relata.

Ele acredita que o ser humano precisa se relacionar, amar e defende a ideia de que para servir a Deus não precisa ser como é hoje. “Quando o chamado acontece é algo muito interior e independente da onde vai trabalhar. Eu sentia o amor e vontade de levar Deus para as pessoas”, conta ele, que foi trabalhar com dependentes químicos, não tinha certeza que queria ser padre, mas era inquestionável seu grande desejo de levar algo bom para as pessoas.

O que fez voltar a ser padre é que queria ajudar o próximo e levar cura interior, quando então foi bastante motivado por um bispo. Retornou ao Seminário, começou a estudar Filosofia e depois Teologia, morando dentro de uma clínica terapêutica com dependentes químicos, com os quais aprendeu muito. Se ordenou padre com 33 anos, mas conta que seus pais nunca quiseram que ele fosse, a mãe chegou a ficar com depressão no início. Só podia visitar a família uma vez ao ano e isso foi muito difícil.

Ele foi ser padre diocesano e em suas férias estava caminhando na praia quando uma amiga deu a notícia da morte do seu pai. Para ele foi uma experiência que teve que encarar como um processo na sua vida. Sentiu uma raiva muito grande porque alguém matou seu pai. Diante da situação, do seu pai morto, cantava a oração de São Francisco: “onde houver ódio que eu leve o amor... é morrendo que se vive para a vida eterna”. Neste momento perdoou essa pessoa que o matou e dizia acreditar que a consciência é a pior prisão que existe.

Ordenado diácono na Igreja do Capão Raso, em Curitiba, exerceu o diaconato na favela e queria ser um padre próximo do povo, sofrer com o povo, queria ser humano e tão humano que isso pudesse resplandecer algo de divino. Depois foi designado a ser padre na Lapa e teve uma experiência muito bonita lá. Ficou em Pinhais por seis anos, quando falaram que precisavam dele em Campo Largo e aceitou o convite.

Missão em Campo Largo
Quando chegou em Campo Largo, ao entrar na missa uma senhora disse: “esse piá que Deus mandou pra nós?”. Estava em uma fase de fazer as celebrações animadas, de ir para rua e sempre orando com os pastores e de repente a primeira impressão era que estava em uma paróquia conservadora, mas percebeu que as pessoas tinham uma sede de celebração e adoração. Foi inicialmente um desafio porque não se sentiu bem acolhido, mas decidiu que iria conquistar esse povo.

Nessa conquista, a Igreja foi enchendo, as novenas, as festas, os Cercos de Jericó, missas do domingo à noite lotando e já não cabia mais gente dentro da Igreja. Achava que não combinava Cerco de Jericó com Campo Largo - uma Igreja que batesse palma, levantasse a mão -, mas se enganou, porque cada vez mais aumentava a procura. Foi a cura dos corações. Relata que as pessoas estavam muito machucadas e feridas por motivos pessoais e via as pessoas voltando e acontecendo uma cura. “O meu estilo de ser padre foi este”, afirma, completando que sempre foi ecumênico, orou com evangélicos e ensinou a comunidade que podem transcender a ideia de instituição e chegar a Jesus Cristo, que Ele nos uniu.

Alegra-se ao dizer que tinha momento com mais gente fora da Igreja do que dentro. Com isso, a comunidade viu que tinha que construir uma nova Igreja. Hoje a Igreja soma mais de R$ 4 milhões investido em oito anos, uma comunidade que não tinha dinheiro para começar a obra, mas muitos se doaram para tornar isso possível. E nesse tempo aqui, diz que o que mais tocou sua vida foram algumas pessoas na comunidade que deram à vida pela Igreja, dando o exemplo do Dalton Schepiura. “Acho lindo que umas pessoas são apaixonadas pela Igreja, como o Dalton”.

Força e coragem
Força e coragem. Duas palavras que falava no final das missas e que vão marcar essa trajetória do Aguinaldo em Campo Largo. Diz que isso aprendeu trabalhando com os dependentes químicos e é um lema muito forte que deixa. Como padre, procurou trabalhar para uma Igreja viva, que chegasse para os jovens, que tocasse o coração das pessoas, uma Igreja que acolhesse. Procurou ensinar as pessoas com seu próprio testemunho de vida.
Logo quando chegou aqui, em um novenário se vestiu de mendigo e não reconheceram que ele era o pároco. Ouviu umas frases que “cortou o coração e isso ajudou a entender muita coisa da vida”. Falaram que ele estava fedendo, sujando a Igreja, pedindo para não chegar próximo. Com isso, levantou muito questionamentos de que Igreja é essa? Porque para ele deveria ser um lugar de acolhida.

Mas orgulha-se que hoje a Paróquia Aparecida se destaca na acolhida e leva a mensagem de que Jesus acolhia as pessoas não interessava quem fosse. Nesse tempo, surgiram muitas lideranças na Igreja e que deixaram uma comunidade muito forte, unida.